A arte, em suas diversas formas, desempenha função determinante para o desenvolvimento do senso crítico e a valorização da diversidade...

Stravinsky: Transição para a modernidade

stravinsky musica erudita classica
A arte, em suas diversas formas, desempenha função determinante para o desenvolvimento do senso crítico e a valorização da diversidade cultural. A música erudita, por exemplo, como a obra do compositor, regente e pianista russo ÍGOR FIÓDOROVITCH STRAVINSKY (1882-1971) denunciou o autoritarismo político e suas consequências, como as injustiças geradas por governos antidemocráticos, incluindo o extermínio de cidadãos sob o regime totalitário de Josef Stalin (1878-1953). Ígor Stravinsky foi um dos principais responsáveis pela transição da música do final do século 19 para a modernidade do início do século 20. Sua obra, marcada pela constante busca por inovação, reflete as convulsões sociais da época e revela a crise dos métodos tradicionais nas artes e nas ciências. Ele desenvolveu suas composições em três fases distintas: o período russo, o neoclássico e o serialismo.

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Igor Stravinsky @krita-artists.org/
A primeira fase da obra de Stravinsky, conhecida como o período russo, ocorreu entre 1909 e 1919. As composições desse período incorporam elementos da música folclórica, do exotismo e do primitivismo, resultando em um estilo musical inovador e vibrante. As principais características apresentam ritmos complexos e irregulares, com mudanças de compasso inesperadas e síncopes que criam sensação de energia e dinamismo; uma harmonia inovadora com dissonâncias e acordes pouco convencionais, a fim de desafiar as regras tradicionais da harmonia tonal; atmosferas sonoras envolventes que expressam culturas exóticas e rituais primitivos, com melodias e ritmos inspirados na música folclórica russa e em outras tradições musicais.

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Igor com Yekaterina Nosenko e Gury Stravinsky (1900) CC0
Nesse período, as obras de grande sucesso foram três balés: “O Pássaro de Fogo” (1910), inspirado em contos folclóricos russos; “Petrushka” (1911), que versa sobre a história de um boneco que ganha vida, e é considerado uma obra-prima da música moderna, com sua combinação de elementos folclóricos, humor e drama; e o revolucionário A Sagração da Primavera (1913), com uma música dissonante e ritmos primitivos, que causou escândalo em sua estreia, mas hoje é reconhecido como uma das obras mais importantes do século XX.

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Cena de A Sagração da Primavera (Coreografia Maurice Béjart) Ewa Krasucka
Stravinsky também compôs a ópera "O Rouxinol" (1914) e a cantata "As Bodas" (1923). Destacam-se ainda "Scherzo Fantastique" e "Feu d’artifice", apresentadas em um concerto em São Petersburgo. Em 1918, compôs "A História do Soldado", uma criação artística que fusiona tango, mímica, dança e recitação. Durante a Primeira Guerra Mundial, Stravinsky mudou-se com sua família para a Suíça, e a Revolução Russa de 1917 o impediu de retornar à sua pátria.

A segunda fase das composições de Stravinsky, conhecida como período neoclássico, iniciou-se em 1919 e se estendeu até 1954. Após a Primeira Guerra Mundial e sua mudança para Paris, o compositor adotou o estilo clássico do século 18. Algumas características desta época incluem o uso da
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Debussy e Stravinsky Erik Satie
forma-sonata, do gênero suíte e do concerto clássico, a exemplo de Franz Joseph Haydn (1732-1809). Sua música tornou-se então mais técnica e formalmente estruturada.

Stravinsky inovou na orquestração, combinando elementos do estilo barroco com suas próprias características, e também buscou inspiração em compositores do período clássico, como o alemão Johann Sebastian Bach (1685 – 1750) e o austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791). Nesta época, Stravinsky adotou uma linguagem musical mais acessível em contraste com a complexidade rítmica e dissonância harmônica de sua primeira fase, mais melódica, tonal e ritmicamente regular. A orquestração torna-se mais leve e camerística em comparação com o grande número de instrumentos utilizados em obras anteriores. Ele incorpora elementos e citações de obras de compositores do passado em suas composições, como forma de homenagear e reinterpretar a tradição musical, e colabora com a companhia de balé do empresário russo Sergei Diaghilev (1872 - 1929), ao compor obras como "Pulcinella" (1920), um balé com música de câmara inspirada em obras do organista e compositor italiano Giovanni Battista Pergolesi (1710 - 1736); "Les Noces" (1923); "Apollon Musagète" (1928); e "Sinfonia de Salmos" (1930), obra para coro e orquestra com influências da música religiosa; "Oedipus Rex" (1927), ópera-oratório com libreto em latim; "Apollon Musagète" (1928), balé para orquestra de cordas e "Concerto para piano e instrumentos de sopro" (1923), uma obra que marca a transição para o neoclassicismo.

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Stravinsky e Diaghilev Fundação Igor Stravinsky
A terceira fase das composições de Stravinsky iniciou-se nos anos 1950, com o uso do serialismo da Segunda Escola de Viena, uma técnica composicional rigorosa e sistemática, baseada em séries de doze notas, nas quais cada som deve ser utilizado uma única vez antes de se repetir. O serialismo representa uma ruptura radical com as harmonias e melodias tradicionais. "Canticum Sacrum" (1955) é um dos primeiros exemplos dessa nova fase. Nela, Stravinsky explora o dodecafonismo com texturas dissonantes, mas sempre controladas e organizadas por uma precisão estrutural. Seu "Requiem Canticles" (1966) demonstra uma síntese interessante entre o rigor do serialismo e o neoclassicismo. Nessa obra, o compositor une formas musicais tradicionais, como a missa e o réquiem, de maneira a equilibrar tradição e inovação.

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Avant-Première de Canticum Sacrum (Catedral de S. Marcos, Veneza, 1956)
Ilaria Parma (TCI)
Algumas das causas para essa mudança incluem a influência do regente e compositor e escritor norte-americano Robert Lawson Craft (1923 –2015), que trabalhou com Stravinsky por muitos anos, e lhe apresentou as obras de compositores da Segunda Escola de Viena. Destes, os mais influentes foram Arnold Franz Walter Schönberg (1874 —1951), Alban Maria Johannes Berg (1885 —1935) e Anton Webern (1883 — 1945). As obras de maior destaque são: "Canticum Sacrum" (1956): uma peça vocal e instrumental com influências da música sacra; "Agon" (1957), balé para doze dançarinos; "Threni" (1958), uma cantata para solistas, coro e orquestra baseada em textos do Livro de Jeremias, e "Requiem Canticles" (1966), uma obra fúnebre para solistas, coro e orquestra.


Embora essa fase seja menos conhecida do que suas obras anteriores, ela é importante para compreender a evolução do compositor e sua contribuição para a música do século XX, e já revela um Stravinsky maduro, que explora novas possibilidades sonoras e desafia as convenções musicais.

O estilo de Stravinsky é marcado por ousada flexibilidade, que o permitiu se adaptar às novas tendências da arte e da ciência de sua época. Na maioria das peças citadas, ele também denunciou o autoritarismo dos partidos políticos de então e os crimes movidos pelo ódio cometidos pelo Estado.


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