A “sociedade dos inimigos” é um conceito elaborado pelo filósofo e professor austro-britânico, Karl Raimund Popper (1902 - 1994), em sua obra A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, publicada em 1945, na qual ele apresenta uma crítica incisiva às ideias políticas do filósofo e matemático grego Platão (428/427 a.C. - 348/347 a.C.), do filósofo germânico Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 –1831) e do filósofo, economista, historiador, sociólogo, teórico político, jornalista alemão Karl Marx (1818 – 1883). Popper contrasta a ideia de uma sociedade aberta, que valoriza a liberdade, a pluralidade e o debate democrático, com a de uma sociedade fechada, que ele denomina "sociedade dos inimigos", sendo caracterizada pelo totalitarismo, pela supressão do dissenso e eliminação dos opositores.
Platão, Hegel e Kalr Marx Rafael/Johann Christian Xeller/John Jabez Edwin Mayall
Na teoria política de Popper, a expressão "sociedade dos inimigos" designa um tipo de organização social em que a oposição é vista como algo a ser extinto. Para Popper, a sociedade em que imperam a rivalidade e o ódio é caracterizada por tendência autoritária, em que a diversidade de opiniões e a crítica são tratadas como ameaças à ordem estabelecida. Nesse modelo, os indivíduos ou grupos considerados "inimigos" do sistema social ou político em vigor são destituídos de qualquer espaço de expressão, sendo impedidos de coexistir com os que estão no poder. A diferença é vista como uma ameaça à estabilidade do regime.
Karl Raimund Popper Britannica
Popper defende a "sociedade aberta", aquela que acolhe a crítica, o debate e reconhece a falibilidade do conhecimento humano. Nessa sociedade, os "inimigos" não são erradicados, mas desafiados através do discurso e da argumentação. Para o pensador austríaco, a verdadeira democracia não é aquela que elimina adversários, mas sim a que permite a convivência pacífica entre ideias divergentes, possibilitando mudanças por meio do diálogo e da reforma gradual. Por outro lado, nas “sociedades fechadas”, a visão de mundo é monolítica e não admite contraposição de alternativas. A ideologia dominante busca a unificação total do pensamento e da vida social, seja por meio de uma filosofia política (como o idealismo hegeliano) ou por uma visão econômica e social (como o marxismo). Nesse tipo de sociedade, os "inimigos", segundo Popper, são aqueles que discordam do sistema imposto, e a repressão torna-se a resposta a qualquer oposição.
Popper argumenta que Platão, Hegel e Marx contribuem para o desenvolvimento daquilo que ele vê como a ideia de uma "sociedade dos inimigos". Platão, em A República,
propõe uma sociedade onde a verdade é revelada por filósofos-reis e as classes sociais são rigidamente separadas. Para Popper, Platão defende que a divergência de opiniões deve ser erradicada, o que abre caminho para regimes autoritários. Hegel, com sua Filosofia da História, também favorece uma visão determinista do progresso, na qual o Estado é visto como a encarnação da razão e o fim da história. Popper critica essa visão pela tendência a regimes totalitários e supressão da liberdade de pensamento. Finalmente, Marx, que propõe uma revolução proletária para criar uma sociedade sem classes, também é alvo da crítica de Popper, que vê na teoria marxista uma lógica propensa ao totalitarismo. Na opinião de Popper, a revolução marxista, ao tentar estabelecer uma "sociedade perfeita", pode resultar na opressão dos "inimigos" dessa visão, ou seja, daqueles que se opõem aos princípios ideológicos do movimento.
Portanto, o conceito de “sociedade dos inimigos” representa a crítica de Popper às ideologias que buscam criar uma "sociedade perfeita" sem espaço para o dissenso. O erudito professor acredita que as sociedades democráticas devem ser abertas ao diálogo, à mudança e à correção de erros, sem necessidade de eliminar aqueles que discordam. Tal pensamento permanece relevante no contexto contemporâneo, funcionando como um alerta contra regimes autoritários e ideologias totalitárias, que frequentemente buscam suprimir a oposição e eliminar qualquer forma de diversidade de pensamento.
Diante disso, conclui-se que a "sociedade dos inimigos" simboliza um modelo de sociedade em que a pluralidade é suprimida, em contraste com a "sociedade aberta", onde as ideias estão abertas ao debate, sendo possível a convivência pacífica, mesmo diante de divergências.