Religiões há que, em princípio, privilegiam tanto a violência que, não raro, a consideram santa. Em contrapartida, o sexo é considerado coisa suja e indigna. Se pensarmos que os religiosos cultuam um Deus que criou o sexo exatamente para a preservação da espécie, ¿Não seria um contrassenso esse mesmo Deus renegar a própria criação? ¿Por que dar tanto valor à virgindade em detrimento da função natural de um pai, de uma mãe?
A AnunciaçãoLuc Olivier Merson, 1908
Se todos os seres humanos do mundo praticassem a castidade, a humanidade desapareceria.
No caso de Nossa Senhora, lê-se em Mt 1.25 que José não conheceu Maria até o dia em que nasceu Jesus. Também em Mt 12.46 se lê que Maria e os irmãos de Jesus procuravam falar-lhe. E Jesus, em Mt 12.49, mostra Maria e seus filhos aos discípulos, apresentando-os a eles como sua mãe e seus irmãos.
Crer na virgindade perpétua de Maria, apesar dessas passagens do evangelista, é não apenas distanciá-la ainda mais da humana gente, mas também reiterar o mito religioso tradicional da impureza do sexo. Não creio que Maria seja menos santa ou menos divina pelo fato de ter “conhecido” José depois do nascimento de Cristo. Santa Maria Egipcíaca (circa 344 - circa 421) entregou-se em sua nudez a muitos homens e nem por isso é menos santa.
Maria e José procuram abrigoMichael Rieser, 1869
Parece-me que acreditar na virgindade perpétua de Nossa Senhora seja uma forma de torná-la assexuada ou de renegar sua humana condição de mulher, já que a Igreja Católica mantém inexplicavelmente em sua disciplina um rigor misógino que proíbe às mulheres celebrar missa, ouvir confissões, tornar-se sacerdotisa, episcopisa ou papisa.
Maria e José contemplam o FilhoE. Wang, 2001
Não creio que seja blasfêmia acreditar numa Nossa Senhora mais humana e mais mulher. Nem creio que seja diminuir-lhe a grandeza da divindade acreditar que ela teve filhos com José, além do filho Deus que teve por obra do Espírito Santo. Não se trata de negar-lhe a virgindade como a mãe sagrada de Jesus Cristo, mas de afirmar também sua condição humana. Se Jesus era Deus, não poderia ter morrido. Se era homem, não poderia ter ressuscitado. Mas Jesus era ambos, divino e humano. Dessa forma, Jesus é (era) homem porque, como homem, sofreu e morreu; e é (era) Deus, porque, como Deus, realizou milagres, ressuscitou um morto e redimiu os homens. Se Jesus tem essa dualidade intrínseca, por que negá-la à sua mãe?
Embora eu seja leigo e sem religião, já fui católico praticante. Acredito que Nossa Senhora seria muito mais santa se fosse também mulher. Os católicos preferem rezar aos santos de sua devoção em lugar de se dirigirem diretamente a Deus, porque as divindades precisam ter sido humanas, precisam ter sofrido e chorado, precisam ter sentido como gente a angústia humana, para serem adoradas também como santas. E é esse caráter humano, mais próximo de nós, que falta à mãe de Jesus na ideologia católica.