Qual o preço do sonho?

No dia 26 de janeiro de 2025, um evento incomum e intrigante ocorreu na costa de Tenerife, nas Ilhas Canárias: um peixe diabo negro, uma criatura das profundezas abissais, foi encontrado na superfície, em um acontecimento raro que surpreendeu cientistas e curiosos de todo o mundo. A espécie, habituada à densa escuridão dos oceanos, dificilmente é encontrada viva, ainda mais tão distante de seu habitat.

Peixe Diabo Negro DeAgostini/

As razões para sua aparição permanecem incertas, mas algumas hipóteses foram levantadas. O espécime pode ter emergido devido a uma corrente oceânica ascendente, ter sido forçado a subir, fugindo de um predador ou, talvez, apenas estivesse debilitado e incapaz de retornar ao seu lar nas profundezas.

O que realmente levou esse ser das sombras a se aventurar tão longe? Teria sido apenas o acaso ou uma consequência das alterações climáticas que afetam os oceanos?

Condrik Tenerife

Mais do que um evento científico, a curiosa trajetória desse animal marinho suscita reflexões, ainda que ele tenha chegado à superfície pela primeira e última vez. O exemplar, uma fêmea com cerca de 18 centímetros, infelizmente não sobreviveu à exposição ao novo ambiente. Antes de falecer, contudo, vislumbrou o sol, sentiu o calor das águas superficiais e conheceu a luz. Teria buscado isso deliberadamente? Será que desejava “pegar um bronze”, curtindo a Playa de Las Teresitas, em Santa Cruz de Tenerife?

Como o peixinho dourado da lenda egípcia, talvez tenha seguido um chamado irresistível para ver algo que nenhum outro de sua espécie jamais testemunhou.

Easy-Peasy

A jornada do peixe diabo negro à superfície pode parecer trágica à primeira vista, mas há nela uma metáfora sobre o desejo de transcender os próprios limites e circunstâncias.

Platão nos legou a famosa alegoria da caverna, onde um prisioneiro escapa das sombras projetadas na parede e, ao subir à superfície, descobre a luz do sol. Ao retornar para contar aos outros, é tratado como louco. Quem sabe o peixe diabo negro tenha sido um fugitivo de sua própria caverna, um pioneiro de sua espécie, aquele que se atreveu a desafiar o destino e tocar o impossível…

Richard Bach, em Fernão Capelo Gaivota, narra a história de uma gaivota que não se contentou em viver apenas para buscar comida, e que quis voar mais alto, mais rápido e aperfeiçoar sua técnica, e, por isso, foi rejeitada por seu bando por ter escolhido a liberdade de seguir as suas convicções, apesar do custo.

O peixe diabo negro foi o Dom Quixote da sua espécie, o cavaleiro de triste figura que perseguiu os valores que lhe eram mais caros?

GD'Art

Tal qual o rebelde cavernoso, a gaivota sonhadora, o cavaleiro romântico, e, talvez o peixe diabo negro de Tenerife, algumas almas simplesmente não aceitam os padrões impostos pela natureza ou pela sociedade.

Não se trata de se entregar de modo imprudente, impensado, irresponsável ou precipitado a um projeto. É preciso mesclar a racionalidade de Dédalo à impetuosidade de Ícaro, para que os sonhos funcionem. Mesmo assim, em algum momento, é necessário ter a coragem de partir em busca do que se quer, dosando a lucidez com a "maluquês", da canção de Raul Seixas.

Nietzsche, em Assim Falou Zaratustra, diz que "é preciso ter um caos dentro de si para dar à luz a uma estrela dançante". Esse "caos" interior é o que move os sonhadores, os que desafiam os padrões e os que, mesmo diante do risco, encontram a força para seguir em direção ao que acreditam.

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