Um artigo recente da escritora Ana Adelaide Peixoto , publicado no jornal “A União” de dezembro de 2024, me fez lembrar a saudosa Prai...

Praia do Poço — O paraíso perdido

Um artigo recente da escritora Ana Adelaide Peixoto, publicado no jornal “A União” de dezembro de 2024, me fez lembrar a saudosa Praia do Poço. Embora mais moça que eu, também participou de vários eventos ocorridos nesse balneário, durante a mesma época.

A Praia do Poço, no litoral Norte da Paraíba, contempla uma ampla enseada de mar calmo, guarnecida por uma generosa barreira de corais, situada geograficamente entre Ponta de Campina e a Ponta de Camboinha, no município de Cabedelo1.

Praia do Poço (Cabedelo, Paraíba) Google Maps
Por volta do início da década de 1920, Coriolano de Medeiros construiu uma casa na Praia do Poço em terreno cedido por Raul Carvalho, proprietário da grande maioria dos terrenos dessa praia.

Não tenho certeza da data em que meus avós começaram a veranear na Praia do Poço. Acredito que desde a construção da casa de Coriolano. Porém, em 1937, meu avô Romualdo de Medeiros Rolim, já possuía uma residência de veraneio ao lado da casa de Coriolano como pode ser vista na foto seguinte.

Cabedelo (PB) Foto Pintura
Na época em que meus avós veraneavam, não havia energia elétrica e muito menos, sistema de abastecimento de água. A ida era por meio de trem e a caminhada para chegar na praia, muita longa. Além de tudo que necessitavam transportar, o mais pesado eram os galões de água para bebida. Em cada casa era perfurado um poço no lençol freático, com pouca profundidade, utilizando-se uma bomba manual.

Segundo meu tio Moacyr Rolim, o velho pescador Romualdo era o veranista mais evoluído daquela época. Possuía um lampião movido a querosene, marca Petromax, de 300 watts e que era aceso costumeiramente a partir das seis horas da tarde. Projetava uma luminosidade muito clara que dava para iluminar toda a casa. Era colocado em um ponto estratégico do terraço para iluminar a maior área possível.

Me contava também, que no começo dos veraneios (novembro a fevereiro) se reuniam em uma só casa, três famílias. A família de meu avô Romualdo, minha avó Dedé (Edwirges Tavares Rolim), minha mãe Zuleida e meu tio Moacyr. A segunda era composta por meu bisavô Coriolano de Medeiros, minha bisavó Vó Neném (Eulina de Medeiros Rolim), Blandina Ferreira dos Santos e Bá, ambas afilhadas
Casa de Romualdo Rolim (Praia do Poço) Acervo do autor
e crias de casa, como eram chamadas na época. Ainda estavam incluídos um sobrinho de Coriolano, exímio desenhista de modas de nome Alexandre (cheguei a manusear um álbum de sua autoria, com belos modelos femininos daquele tempo), um cozinheiro e o motorista Chapéu de Goma. E por último, a mãe de Coriolano, Dona Joaninha (Joana Maria da Conceição), uma senhora paralítica que pesava mais de 120 kg e duas cuidadoras, Inocência e Sinhazinha. Além disso, vinham almoçar quase diariamente, afilhados, primos e outros parentes. A casa, se transformava num verdadeiro abrigo de desamparados, segundo meu tio Moacyr.

A partir de 1920, foram construídos vários currais para aprisionamento de peixes na Praia do Poço. Esses currais eram construídos de mourões muito grossos e longos fincados na areia. Entretanto, nenhum ficava à beira-mar. Não sei a razão, mas na época em que comecei a pescar, havia várias linhas de tocos nessas estacas, já bastante danificadas, com incrustações marinhas ao redor de sua superfície, indo todas da beira-mar em direção ao mar. Mesmo com a maré cheia, era possível visualizar os tocos que restavam desses mourões. Vários deles, já apodrecidos, se rompiam com o vaivém das ondas, alojando-se no fundo da água. Com o passar do tempo, os sargaços e o resto de vegetação marinha se misturavam a esses tocos formando habitat ideal para vivenda de lagosta e moreias.

Glória Nascimento (Repositório UFPB)

Iniciei a minha vida de pescador mergulhando ao lado desses tocos, a profundidade muito baixa, desde a beira-mar (a última estaca deteriorada marcava posição que não ultrapassava a profundidade de dois metros e meio). Encontravam-se ali, com facilidade, muitas lagostas. Vez por outra, enquanto enfiava meu tridente de Netuno entre as algas e os restos de madeira, via surgir, com alguma frequência, moreias, a maioria de cor verde, que me metiam muito medo. Quando tinha catorze anos já participava de um grupo adulto de pesca submarina para mergulhar nesse magnífico litoral a procura de lagostas. Tive o privilégio de me deliciar durante inúmeras vezes com um dos pratos mais caros e sofisticados atualmente, Lagosta à thermidor, comendo com muita frequência a deliciosa Panulirus argus pescada por mim. Muitas vezes, durante o dia, pesquei agulhas com meu avô, praticamente na beira-mar. Utilizava rede de arrasto especial, que possuía malha adequada ao diâmetro desse tipo de peixe. A cada laçada finda, dispensava-se o arrasto até a areia. Os peixes eram recolhidos ali mesmo, dentro d’água. Eram muitas agulhas que enchiam nosso samburá. Se contarmos a qualquer pessoa que pesquei inúmeras vezes lagostas e agulhas à beira-mar, ninguém acreditará.

Tripadvisor
Muitas lembranças me vêm à mente dos nomes de alguns habitantes, a maioria pescadores, como seu Calú (Carolino Cardoso, filho de Vitorino Cardoso, hoje nome da principal avenida da Praia do Poço), Lalu (Laura Cardoso Duarte, filha de seu Calú), Antônio Zereiro, Zé do Bote, Calango, além dos bares de Dona Nêga e de Lucena, do Badionaldo, dos assustados, da Igreja do Poço (Capela de Nossa Senhora de Nazaré), onde assistíamos a missa nos domingos de veraneio, das festas de Natal e Ano Novo no pavilhão próximo à capela.

Capela N. S. de Nazaré
Tripadvisor
O tempo foi passando e os veranistas da casa de meus avós foram sendo substituídos pela família de minha mãe e de meu tio. Posso confirmar com segurança, que tomo banho de mar na Praia do Poço, desde que fui concebido, ainda no ventre de minha mãe. Nunca perdemos um veraneio. Os veranistas eram, nesse tempo, uma verdadeira grande família.

O Badionaldo foi fundado em 1958. Lá tomei minha primeira cerveja. Em 1962, meu pai construiu uma casa distando apenas de quatro imóveis da residência de meu avô. Embora bem construída, não tinha forro. Graças a este detalhe, nunca me esqueci do som do farfalhar das folhas dos coqueiros e do ruído da brisa do mar, que escutava, enquanto deitava para dormir. Que maravilha!

Ao lado do Badionaldo foi construída em 1962, uma primeira quadra de voleibol. Nesse mesmo ano, ficou programado para cada mês de janeiro, a realização de um campeonato de voleibol misto. O responsável pela organização era o saudoso Eudoro Chaves. Cada time era composto de três mulheres e três homens. Meu time, “Siri” era composto por dois primos, uma futura cunhada e duas amigas. Fomos campeões,
@escolaeducacao.com.br/
duas vezes. Esse campeonato tornou-se um sucesso. Até jogadores da seleção de voleibol de Pernambuco participavam desse conclave.

Um pouco antes de minha formatura, em 1967, comprei um apartamento em João Pessoa, com ajuda de meu pai. A ideia era que após conseguir um emprego, já teria um lugar para morar, após meu casamento. Infelizmente, a obra atrasou e por isso, resolvi alugar uma das casas de meu avô na Praia do Poço, enquanto esperava o bendito apartamento e ao mesmo tempo, fazer algumas economias, para construir num futuro próximo, uma casa para morar definitivamente. No período entre 1968 a 1973 moramos nesse domicílio.

Essa morada é justamente a que está na foto e que pertenceu a Coriolano de Medeiros, herdada por ele. Era uma casinha muito simples. O piso de cimento muito áspero – tive que levar meu filho a engatinhar na casa de minha mãe. Lá, seria impossível fazê-lo. As portas da frente e de trás bastava empurrá-las, que se abriam - segurança, zero. Em cima de nossa cama tinha um plástico amarrado, porque quando chovia, pingava muita água e caia pedaços de folhas que passavam
Casa de Coriolano de Medeiros
Acervo do autor
pelas telhas. Após uns dois anos de moradia, contratamos uma empregada. Logo que chegou, mostramos o quarto onde teria que se alojar. Após sua instalação, na primeira noite em nossa casa, exatamente às 23h30, ouvimos uns gritos. Era ela. Parte do telhado de seu quarto havia desmoronado. A sorte é que não foi atingida. No dia seguinte, é obvio, pediu demissão do novo emprego. Por outro lado, nunca fomos assaltados. Não havia ladrões. Todos os veranistas se conheciam.

No começo de 1973, construímos uma casa em um terreno vizinho, e continuamos a morar à beira-mar até o ano de 1982.

Nada melhor para nos dar uma ideia desse paraíso, do que a singela poesia de meu amigo e primo carioca Cid Martinho Mendonça Barbosa2, intitulada Praia do Poço, enviada do Rio de Janeiro em 4 de agosto de 2007, local em que teve a oportunidade de desfrutar muitas vezes de alguns momentos maravilhosos, durante os vários períodos em que passou suas férias em João Pessoa.

Praia do Poço Recordações quando eu era moço E que deixei Os meus sentimentos paraibanos Que fizeram as minhas alegrias Todos os dias Da minha juventude Praia do Poço De tanta quietude O silêncio do anoitecer O barulho do mar E uma canção trazida pelo vento Faz dançar as folhas dos coqueirais Como me sinto hoje Tão distante da Praia do Poço ... Apenas trago no meu coração Os encontros com os amigos Mas faz tanto tempo ... E só quero que permaneça dentro de mim Praia do Poço, tantas lembranças Certamente seja isto que motive A sentir poeticamente fatos em geral Da minha vida Pois, você, Praia do Poço Será para sempre Uma referência para toda minha vida

Infelizmente, em consequência da construção do Hotel Tambaú, construído em 1970, avançando para o mar sem nenhum estudo de correntes marítimas, o mar foi invadindo a zona norte de João Pessoa a partir do início deste século, afetando principalmente a orla do Poço, onde o mar avançou consideravelmente, obrigando muitos moradores a arcar com seus próprios custos para deter sua fúria construindo onerosos gabiões.

Praia do Poço - Localizada a 50 metros de distância de nossa residência, no lado direito, está parte da casa de veraneio que pertenceu a meu pai, construída em 1962 Delgado
Passamos treze anos vivendo à beira-mar nesse paraíso tropical, desfrutando de uma praia, quase virgem, distando apenas 12 km da nossa Capital. Foi uma época inesquecível, creio, a melhor de nossas vidas. Entretanto, o acelerado desenvolvimento diminuiu, e muito, esse espetacular esplendor e tranquilidade, onde estávamos permanentemente em contato com a natureza onde podíamos colher guajirus e cajus à vontade. Hoje em dia, só nos restam maravilhosas lembranças para contar a nossos descendentes.

REFERÊNCIAS 1. José Juvêncio de Almeida Filho, Desde os tempos de Almagre – História da Centenária Capela de Nossa Senhora de Nazaré (Praia do Poço, Cabedelo, PB), s/data. Amigo e companheiro dos verões na Praia do Poço.
2. Filho de Orris Fernandes Barbosa, autor do livro Secca de 32 – Impressões sobre a crise nordestina, Rio de Janeiro, Adersen Editora, 1935. O livro relata a visita ao Nordeste do candidato Getúlio Vargas, em agosto de 1933, em campanha para a presidência da República, acompanhado do ministro José Américo de Almeida e do major Juarez Távora, para inaugurar obras contra as secas que haviam sido construídas nos seus três anos de governo provisório.


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  1. Belas recordações, Sérgio. Sua infância foi de fato paradisíaca. E o seu texto nos mostra como era a Praia do Poço de outrora. Parabéns. Francisco Gil Messias.

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  2. Obrigado Irene e Gil.
    Saudades de um tempo que não volta mais.
    Sérgio Rolim

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  3. Sérgio, além de escritor, historiador, engenheiro civil, sanitarista, você é um desbravador. Belo texto!

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  4. Lindo texto de suas memórias sobre a praia do Poco, que me fez relembrar os veraneios de minha fami lia na praia do Cabo Branco.. George Cunha.

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  5. Recordações maravilhosas de nossa praia ! Lindo texto! Parabéns!

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  6. Parabéns, gde irmão e colega Sérgio Rolim !
    Recordar é viver !
    Seus escritos, muito bem escritos e preciosos nas história e estórias, nos conduzem a Caminhar de união e alegria na Verdade da Vida, presente unindo passado para melhorar o futuro. Sem memória não há porvir. Gratíssimo por nos brindar com boas lembranças e recordações inolvidáveis !

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  7. Juvêncio10/2/25 11:16

    Amigo Sérgio
    Saudosista de carteirinha, a leitura que fiz de sua revisita à nossa infância/adolescência na Praia do Poço provocou um forte impacto sobre mim.
    Lá, também fui usuário da iluminação a querosene e somente sua alusão a essa forma de consumo me fez sentir o odor penetrante do produto invadindo minhas narinas.
    E o Campeonato de Vôlei organizado por Eudoro? Você era o grande cortador do Siri. Eu era levantador no Piaba. Lembra que tinha outro time chamado Caju?
    Hoje inexistentes, os currais de peixe também ficaram na minha lembrança. O meu pai era proprietário de um que era despescado com a utilização de uma canoa e dava grande gosto ver na areia da praia um monte de peixes, principalmente do xaréu.
    Você gostava da parte mais funda das águas do mar onde levava o seu tridente até o tronco dos mourões dos currais onde ficavam
    os “ninhos” das lagostas.
    Eu preferia a superfície das águas, por onde voavam cardumes de agulhas e sardinhas.
    Não perdi de todo a velha prática.
    Há alguns meses conseguimos (eu e um casal de amigos gauchos) capturar defronte da minha casa, em menos de 10 minutos de pescaria, um cardume de sardinhas. O volume de peixe foi tal que não conseguimos fazer a despesca no mar, como se recomenda. Tivemos de recolher a rede e trazê-la para terra.
    E para que não paire dúvidas e meu relato seja rotulado de “história de pescador”, estou anexando a devida documentação fotográfica.

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    1. Obrigado, Juvêncio.Já recebi as fotos incríveis

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  8. Bela e nostálgica evocação desse paraíso perdido da praia do Poço. As festas de carnaval, as lagostas e os peixes se foram, só o mar continua lindo, se bem que avançou. Parabéns, Sergio!

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  9. Sérgio procurei comentar mas não sei o que houve ou eu mesmo não soube quando enviei vi que o comentário não foi. Acheia a crônica muito boa fez-me reviver meu tempo de infância e adolescente com meu pai, pois tudo de mar aprendi com ele . Inclusive a pescar como você colocou ele chamava espinha do curral. “ Vamos pescar na espinha do curral lá da peixe “ e era verdade pescávamos não de nergulho mas de anzol vara. Quando íamos na jangada eu tinha que tomar remédio se não enjoava. Mas mesmo assim eu queria ir com ele. É o laser que mais gosto pescar. Eu agora já ensinei os netos a pescar. Era o tempo que o tinha como maior parceiro e companheiro. Saudades infindas…..PARABÉNS ! Quem viveu os veraneios daquela época tenho certeza que ela fez recordar.
    Regina Rodriguez

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  10. Obrigado, amigo Juvêncio, companheiro de anos e anos nos veraneios da Praia do Poço.
    Sérgio Rolim

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  11. Obrigado, Edna.
    Sérgio Rolim

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  12. José Mário Espínola10/2/25 21:24

    Deliciosas lembranças , momentos que deixaram marcas indeléveis em você, Serg

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  13. Belo relato de uma ambiência especial que, infelizmente, não existe mais. Parabéns.

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