Prezados leitores, prosseguimos com a nossa série sobre o perfil da sociedade da antiga Paróquia de Nossa Senhora das Neves, antiga Parahyba, atual cidade de João Pessoa, com base no Livro de Registros de Batizados do ano de 1833. Apesar do foco ser as crianças que já nasciam escravizadas, hoje trataremos das crianças nascidas livres (ingênuas) com foco na orfandade e escolha de tutores. A orfandade de crianças que nasciam escravizadas merece um tópico próprio. Também falaremos da miscigenação da sociedade local da época e a relação com classe e gênero.
Parahyba Frans Post
Uma das curiosidades da pesquisa decorreu da necessidade de verificar a informação de que os padrinhos seriam tutores de órfãos. Quem eram os órfãos para o Direito? Segundo Antônio de Souza Gouveia (1891): “Órphão, no sentido jurídico, é aquelle que não tendo a idade cumprida de 21 annos, ficou sem pai e está sob a administração do Juiz de Órphãos”.
Órfão, portanto, era o menor de 21 anos que não tinha PAI. No caso das crianças expostas, estas conseguiam a maioridade antes, aos 20 anos de idade. Em ambos os casos, de expostos e de ingênuos órfãos, a nomeação de tutores ocorria ao completarem 07 anos, conforme as Ordenações Filipinas, Livro 1º, Título 88, Livro 4º, Título 102 e o Alvará de 31 de Janeiro de 1775, segundo ainda Gouveia.
GD'Art
Embora as mães e avós pudessem ser tutoras, a mãe perdia essa condição caso viesse a contrair novas núpcias (mesmo em caso de nova viuvez). Mais adiante, em 1859, temos o Aviso nº 312 de 20 de outubro de 1859, a partir de Consulta feita ao então Ministério dos Negócios da Justiça que dizia que deveria se nomear tutor a menor, filho de pai incógnito se a mãe não fosse de “bons costumes”.
Jean-Baptiste Debret (1821)
Jean-Baptiste Debret (1821)
Meninos brancos com padrinho e madrinha: 30
Meninos negros livres com padrinho e madrinha: 2
Meninos indígenas livres com padrinho e madrinha: 4
Meninas indígenas livres com padrinho e madrinha: 1
Meninos pardos livres com padrinho e madrinha: 18
Meninas brancas com padrinho e madrinha:30
Meninas negras livres com padrinho e madrinha: 04
Meninos pardos livres com padrinho e madrinha negros (“crioulos”): 2
Meninas pardas livres com padrinho e madrinha: 23
Total: 114
Total: 114
UFRGS
Meninos brancos somente com padrinho: 31
Meninos indígenas somente com padrinho: 01
Meninos pardos livres somente com padrinho: 19
Meninos negros livres somente com padrinho: 09
Menino “cafuzo” livre somente com padrinho: 01
Meninas brancas somente com padrinhos: 32
Meninas indígenas somente com padrinho: 01
Meninas negras livres somente com padrinho: 04
Meninas pardas livres somente com padrinho: 12
Menina “cafuza” livre somente com padrinho: 01
Total: 111
Total: 111
Quanto aos batismos de crianças livres por procuração temos:
Crianças batizadas com madrinhas por procuração: 12
Crianças batizadas com padrinhos por procuração: 03
Citemos 01 caso de batismo por procuração de duas meninas gêmeas:
Roza e Apolinária, em 06.10.1833, filhas naturais de Francisca Xavier dos Santos, pardas.
Padrinhos: Sargento-mor Joze Thomas Henriques (Procurador: Padre Antônio da Trindade Antunes Meira) e Donna Maria Izabel do Rozário (Procurador: Francisco Fernandes Lima).
GD'Art
Curiosamente consta 01 assentamento sem validade e 01 menino branco sem padrinho ou madrinha. Das meninas brancas expostas (não houve registro de meninos expostos em 1833) temos:
Meninas expostas (todas brancas) com padrinho e madrinha: 01
Meninas expostas (todas brancas) somente com padrinho: 02
Conclusão: 265 batizados, sendo aproximadamente 114 crianças somente com padrinhos.
Como dito, a figura da madrinha não teria tanta relevância, haja vista que somente as avós e mães podiam ser tutoras. As madrinhas jamais seriam nomeadas tutoras por testamento ou poderiam se candidatar a esta condição de seus afilhados órfãos.
CC0
“Aos quinze de agosto do anno de mil oitocentos e trinta e três, nesta matriz de Nossa Senhora das Neves, de minha licença o Padre Antônio Lourenço de Almeida, batizou solenemente a párvula Maria, com idade de seis mezes, filha natural de Vicencia Moreira da Ressurreição, cazada, com João Elias, o qual retirou-se da sua companhia. Foi padrinho o Reverendo Vigário desta Matriz. E para constar mandei lançar este assento que no Archivo desta matriz achei por lançar, e o assigno, por estar completamente autorizado.”
Matriz de N. S. das Neves (PB) Rogerio121402
Já as mulheres negras e pardas fossem livres, forras ou escravizadas, nem todas tinham a paternidade de seus filhos reconhecida. Vejamos dois casos:
Victorino, batizado em 09.09.1833, aos 02 meses, filho natural da “crioula” Maria, viúva, escrava de Antonio Batista de Carvalho.
Padrinhos: José Antônio do Nascimento (pardo livre solteiro) e Anna Barbosa das Neves (parda livre solteira).
Francisco, batizado em 20.10.1833, aos 46 dias, filho natural de Anna Joaquina da Cruz, parda livre. Padrinho Silvestre Rodrigues de Carvalho (pardo “captivo”).
Mas havia casos de casamentos entre mulheres negras livres (também pardas) com homens escravizados e também homens negros e pardos livres, já exposto nos outros artigos da série.
IMS
Menino filho de mãe branca e pai pardo livre: 01
Menina filha de mãe branca e pai pardo livre: 02
Citemos um dos casos:
Feliciana, batizada em 21.08.1833, aos 03 meses de idade, filha natural de Izabel Maria Francisca (branca) e Joaquim Mendes Joze dos Santos (pardo), tendo como padrinhos Manoel de Goes (pardo livre) e Eugenia das Neves (preta livre)
Zahar (adap)
Também se verifica uma maior solidão das mulheres negras e pardas, fossem livres ou não, no exercício da maternidade, haja vista que com exceção de mulheres negras casadas, muitas não tinham a paternidade de seus filhos reconhecida, embora existissem muitas uniões entre homens brancos pobres e mulheres negras e pardas livres (com a respectiva filiação de seus filhos reconhecida), fazendo a cidade da Parahyba uma cidade miscigenada.