Trinta de janeiro já passou. É o dia internacional da saudade, um sentimento que traz de volta, em lembrança, o que, na verdade, não ...

Onde estão os que amamos?

conto celio furtado literatura paraibana
Trinta de janeiro já passou. É o dia internacional da saudade, um sentimento que traz de volta, em lembrança, o que, na verdade, não queria ir. A saudade é justamente esse "perto" que insiste em ficar, mesmo quando tudo parece distante.

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E foi num dia desses... Eu estava com saudade dos meus pais. A casa deles ainda estava lá, do jeito de antigamente. Mas não foi fácil: eu sabia que não os encontraria ali — apenas os objetos que carregavam suas lembranças. Mesmo assim, fui. O que eu esperava encontrar? Talvez um eco, um sussurro do passado.

Quando entrei, a sala me recebeu como uma fotografia velha e desbotada. Os móveis, hoje empoeirados, ainda tinham o mesmo cheiro. O tempo parecia ter parado ali, mas não para mim. Da janela eu vi o pequeno Jardim. O mato havia crescido, mas as roseiras teimavam em resistir. Quando entrei na cozinha, o aroma do café ainda parecia pairar no ar, como se minha mãe tivesse acabado de passar uma xícara para mim.

Perguntei a mim mesmo: "Onde eles estão agora?" Em que lugar se escondem aqueles que amamos depois que se vão? Talvez estejam em algum ponto do tempo que eu ainda não alcancei, esperando que um dia eu os encontre novamente.

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Sentei-me no sofá e comecei a perguntar: "Se eu fechar os olhos, posso vê-los e ouvi-los? Se eu escutar com atenção, o silêncio pode me responder?"

Então, me lembrei da história de Horácio. Deixe-me contar para vocês...

Horácio tinha setenta anos e sentia que seus dias estavam chegando ao fim. Acamado, rodeado pela família, observava o tempo escorrer entre os dedos como areia fina. A respiração era curta, o corpo pesava, mas sua mente ainda passeava pelas memórias como quem folheia um velho álbum de fotografias.
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Os olhos de Horácio varreram o pequeno mundo ao redor: o quarto estava em penumbra, iluminado apenas pela chama fraca da vela na banquinha de cabeceira e pela luz dourada do entardecer que atravessava a cortina rendada. O cheiro de chá morno misturava-se ao perfume suave das flores que alguém deixara sobre o móvel, próximo à vela.

Ao seu lado, seu sobrinho de cinco anos segurava sua mão com firmeza infantil. Os olhos do menino brilhavam, cheios de uma inocência que não conhecia dúvidas.

⏤ Tio, quando o senhor encontrar o vovô, diga a ele que a gente sente muita saudade e que ainda ama muito ele.

Os olhares se cruzaram. A mãe pressionou um lenço contra os lábios trêmulos. O pai olhou para o chão, buscando ali alguma resposta que fizesse sentido. Para eles, aquilo era coisa de criança — uma forma doce e ingênua de encarar algo tão misterioso quanto a morte. Mas Horácio sentiu um arrepio.

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Ele olhou para o menino e sorriu. Com a voz embargada, esforçou-se para que todos ouvissem. Disse:

⏤ Engraçado, não é? Passamos a vida indo à igreja, lendo sobre fé, rezando... Mas, no fundo, duvidamos. As crianças, que ainda não sabem ler nem estudaram doutrina, sabem. Elas falam com a verdade de quem vê Deus sem precisar de provas.

O silêncio preencheu o quarto como um véu. Lá fora, os pássaros ainda cantavam, alheios ao peso das despedidas humanas. A cortina balançou levemente com a brisa da tarde, e um raio de sol caiu suavemente sobre o rosto de Horácio. A mãe do menino fechou os olhos por um instante, como se absorvesse aquelas palavras. O pai cruzou os braços, respirando fundo. Mas o menino não desviou o olhar.

Continuava ali, segurando a mão do tio com a mesma certeza com que segurava a vida, como se soubesse que algumas coisas não terminam. Apenas mudam de lugar.

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Horácio partiu na madrugada seguinte com a serenidade de quem finalmente compreendeu o que as crianças sempre souberam. Os adultos buscam provas, enquanto as crianças apenas sentem, sem medo e sem dúvida. A fé verdadeira não precisa ser ensinada, porque já nasce conosco — e é por isso que as crianças acreditam sem hesitar. No silêncio do quarto, as palavras de Horácio ficaram, como um grito no tempo, lembrando que aqueles que amamos nunca se vão de verdade. Eles apenas esperam por nós, em algum lugar além do que os olhos podem ver.

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