Zezito e Totonho eram amigos desde os tempos de ginásio e quando receberam o diploma não seguiram adiante nos estudos. Ficaram por ...

O santo e o martelo

construcao santo conto causo
Zezito e Totonho eram amigos desde os tempos de ginásio e quando receberam o diploma não seguiram adiante nos estudos. Ficaram por ali. Mas caminharam adiante na vida e ainda na adolescência já foram para o batente quando escolheram a construção civil para abraçar uma profissão. Até que se deram relativamente bem,
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pois se tornaram azulejistas, aquela modalidade de pedreiro que assenta azulejos e cerâmicas, o que que não é para qualquer meia-colher. Tem que ser um batuta!

Quando se deu o fato que vou expor aqui, já estavam casados e ambos passados um pouquinho dos trinta. Zezito , como se diz, juntara os trapos com Maria do Carmo. Tinham dois rapazinhos gêmeos beirando os quinze. Totonho se casou com Salete e desse ajuntamento veio uma meninota que regulava de idade com os bacuris de Zezito.

Trabalhavam juntos na mesma contrutora, numa dessas que enchem a cidade com seus espigões. Viviam pendurados nos andaimes assentando suas cerâmicas e ladrilhos. Sempre juntos, fosse na lida ou na cervejinha dos fins de semana. No dizer da garotada de hoje, eram dois parças muito chegados.

Dona Salete, católica fervorosa, era devota de São Tomé, o santo que vela pelos pedreiros e toda manhã, assim que Totonho saía para o trampo, ela se ajoelhava diante da imagem do santo para as preces e o pedido de sempre: “Meu santinho querido protegei meu marido!”. Parece que suas preces eram mais poderosas
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do que a orientação de qualquer CIPA na prevenção de acidentes no trabalho. Totonho, em todos esses anos, nem um arranhãozinho ou uma martelada no dedo. Já Zezito...

Bem, Dona Maria do Carmo não era chegada nessas coisas e Zezito, embora nunca tivesse tido algum acidente sério, vez ou outra aparecia com alguma escoriação.

A vida seguia sem muitas novidades, até que numa manhã, estavam os dois empoleirados em um andaime a altura do décino nono andar, quando Totonho sentiu que algo não ia bem dentro dele.

⏤ Zezito, comi alguma coisa que não me fez bem. Vou sair e dar uma c.... Tô nas últimas. Se demorar um pouquinho, vai ser aqui mesmo — e foi se aliviar.

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Quando voltou, o que viu? O andaime despencara com o amigo Zezito. Como? A empresa era rigorosa com a segurança, seguia todas as normas ao pé da letra. Como? Não dá para saber, mas a verdade é que o amigo “se acabou no chão como um pacote tímido”. Zezito estava naquele instante indo falar com Deus.

Já à noitinha, o velório. Muita gente, muitas lágrimas. Dona Salete consolava a amiga, na verdade era comadre, mas não deixava de agradecer São Tomé que providenciara uma oportuna dor de barriga para o marido: “Obrigado meu santinho querido, você salvou o pai de minha menininha. Tirou meu marido de lá bem na horinha. Valeu meu santinho!”

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Nisso. chega o CEO da empresa, o construtor. Respeitosamente cumprimenta a todos e se dirige à viúva com sua voz poderosa, pausada para que todos ouvissem.

⏤ Minha senhora, as autoridades e nossa diretoria estão investigando a causa do acidente. Seu marido estava há mais de quinze anos conosco. Um exemplo dentro da empresa. Nada que fizermos trará seu marido de volta.

E continuou.

⏤ A senhora a partir de hoje vai receber de nossa empresa uma pensão vitalícia de quinze salários. Vamos custear os estudos dos meninos até se formarem. Plano de saúde para os três por nossa conta. Nunca mais a senhora pagará aluguel. Agora é também nossa responsabilidade.

Dona Maria do Carmo agradeceu, ainda entre a dor e a surpresa, mas agradeceu. Depois de Zezito ter sido devidamente carpido e encerrados todos os procedimentos, Totonho e Salete acompanharam a viúva e os dois órfãos. Já em casa, nosso sobrevivente alegou dor de cabeça e se recolheu. Enquanto isso, Dona Salete foi à caixa de ferramentas, pegou um martelo e em seguida dirigiu-se ao oratório e arrancou a imagem de São Tomé. De lá até ao quintal para que o marido não ouvisse as marteladas e moeu o coitado do santo em mil pedacinhos. Ainda disse:

⏤ Santo imprestável, vagabundo. Não tinha outra hora para arrumar uma caganeira pro meu marido?

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  1. Puro sabor, Paiva, num texto de mestre. Francisco Gil Messias.

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  2. Espetacular! Parabéns, delícia de texto.

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