POEMAS DO LIVRO “XXI Sombras
(Editora COUSA – 2023)
(Editora COUSA – 2023)
MONÓLOGO
Pode ser meia a dor que te consome? Viver, apreender palavras, guardá-las no silêncio. O mormaço já está distante e os grãos da areia não povoam mais a mesma praia. A mãe, um vazio sem nome, os passos trocados do pai. A memória se movimenta para trás das cortinas e o esquecimento ocupa o palco dos nomes. (A saudade é um engasgo estranho que não cede com água gelada.)
Pode ser meia a dor que te consome? Viver, apreender palavras, guardá-las no silêncio. O mormaço já está distante e os grãos da areia não povoam mais a mesma praia. A mãe, um vazio sem nome, os passos trocados do pai. A memória se movimenta para trás das cortinas e o esquecimento ocupa o palco dos nomes. (A saudade é um engasgo estranho que não cede com água gelada.)
AS MÃOS POSTAS
Guardo a morte em minhas mãos impenetráveis (A vida é impura, é incerta e bela) E a venda em meus olhos é a minha mão exata e confusa, autômata A mesma mão posta de minha mãe A mesma mão com a chaga cicatrizada de Cristo que não permite que o segredo da luz se transforme em milagre A mesma cortina, o mesmo piche sobre a realidade dos cristais quebrados silenciando as falsas leituras dos prismas e seus presságios O portal para a loucura das cores que desfilam no oco da caverna escura e contam a história do mundo.
Guardo a morte em minhas mãos impenetráveis (A vida é impura, é incerta e bela) E a venda em meus olhos é a minha mão exata e confusa, autômata A mesma mão posta de minha mãe A mesma mão com a chaga cicatrizada de Cristo que não permite que o segredo da luz se transforme em milagre A mesma cortina, o mesmo piche sobre a realidade dos cristais quebrados silenciando as falsas leituras dos prismas e seus presságios O portal para a loucura das cores que desfilam no oco da caverna escura e contam a história do mundo.
PAISAGEM SUBMERSA (*)
I Não bastasse o açoite do Sol no lajedo, a terra arrasada, o desconsolo, a palma, o borrego morto, o pau a pique e a trajetória salvadora da Arribaçã Não bastasse a fuga para o Sul, o pau de arara, o rugido da fome, as bonecas de ossos de minha mãe (Não bastasse chamar de vitória o reconhecimento da derrota) II A nau catarineta do apocalipse reparte o milagre: a Severina noite, a ironia, o lusco-fusco da paisagem morta III (A lágrima negra só brota nos olhos dos homens) IV A asfixia dos peixes, o piche escorrendo nos degraus dos arrecifes, a miséria dos seres de sal famintos nos berçários dos mangues, as tatuagens nos cascos, o visgo do óleo nas algas, o lusco fusco de um horizonte sem promessas V Que palavra colhida nessa areia pode ser pura? VI O grão é inútil se não sacia a fome e a boca seca só permite o engasgo VII O Sol sempre ferveu nesse sertão de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas na costa, a água, se não era doce, era pura e abençoada, e contava a história de um tempo em que não se percebia que o vento movia o Mundo sobre o Atlântico VIII Essa colcha de retalhos é a pele estendida, cerzida, é a vela de uma jangada que escreve o poema na crosta, nas negras ondas, na consciência.
I Não bastasse o açoite do Sol no lajedo, a terra arrasada, o desconsolo, a palma, o borrego morto, o pau a pique e a trajetória salvadora da Arribaçã Não bastasse a fuga para o Sul, o pau de arara, o rugido da fome, as bonecas de ossos de minha mãe (Não bastasse chamar de vitória o reconhecimento da derrota) II A nau catarineta do apocalipse reparte o milagre: a Severina noite, a ironia, o lusco-fusco da paisagem morta III (A lágrima negra só brota nos olhos dos homens) IV A asfixia dos peixes, o piche escorrendo nos degraus dos arrecifes, a miséria dos seres de sal famintos nos berçários dos mangues, as tatuagens nos cascos, o visgo do óleo nas algas, o lusco fusco de um horizonte sem promessas V Que palavra colhida nessa areia pode ser pura? VI O grão é inútil se não sacia a fome e a boca seca só permite o engasgo VII O Sol sempre ferveu nesse sertão de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas na costa, a água, se não era doce, era pura e abençoada, e contava a história de um tempo em que não se percebia que o vento movia o Mundo sobre o Atlântico VIII Essa colcha de retalhos é a pele estendida, cerzida, é a vela de uma jangada que escreve o poema na crosta, nas negras ondas, na consciência.
* O desastre ecológico nas praias nordestinas.