A frase acima não é minha. Vi-a outro dia estampada numa camiseta e gostei. Fiquei refletindo: taí uma coisa para se pensar, uma coisa aparentemente simples mas plena de implicações, uma coisa que pode até ser um programa de vida, já pensou? Pois é. Ir embora mais cedo. Não da vida, claro, que a vida é tudo, condição de tudo o mais, mas do resto – ou, pelo menos, de boa parte. De eventos, por exemplo,
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sejam eles quais forem. E a nossa vida atualmente é toda ocupada por eventos mil, de manhã à noite, numa sucessão de acontecimentos geralmente dispensáveis – ou pouco importantes. Miudezas. Mundanidades. Vaidades. Imagine-se, pois, o tempo ganho para outras coisas mais úteis ou prazerosas com o simples fato de ir embora mais cedo.
Ir embora mais cedo nem sempre significa pressa ou indiferença. Às vezes, sim, óbvio, mas aí são posturas que não se confundem com a atitude, digamos, filosófica ou comportamental de quem vai embora mais cedo apenas por livre decisão de não esgotar os acontecimentos e as situações de que participa voluntária ou involuntariamente. A pressa é quase sempre justificável. São outros compromissos que nos chamam, uma dor de cabeça incômoda, o trabalho de manhã cedo no outro dia. Já a indiferença é mais grave. Significa a pouca ou nenhuma valorização que se dá às pessoas e/ou ao que acontece ao nosso redor. Representa uma certa arrogância, uma certa superioridade ou simplesmente a incapacidade de empatia. Melhor, portanto, ir embora mais cedo por pressa que por indiferença.
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Ir embora mais cedo pode ser fruto de uma deliberada opção por não permanecer até o fim, seja lá de que for. Por que ficar até o fim, pergunto eu. Por que tomar a última gota ou raspar o osso? Por que sair “na vassoura”, quando já estão recolhendo as mesas ou fechando as portas? Que prazer mórbido é esse de sair dos lugares como se estivesse sendo expulso, já indesejável, já incômodo para todo mundo? Mas há quem goste, sabemos. Há quem se orgulhe de só sair no fim da festa. Como se, ao ser um contumaz retardatário da saída, vencesse uma maratona de resistência, quisesse mostrar sua força ou algo parecido. Sem falar nos casos de pura e simples falta de “simancol”, ou seja, de sensibilidade mínima para perceber que já passou da hora de dar o fora. Esses são os piores, as malas pesadas e sem alças que alguém terá, coitado, de carregar. O leitor conhece algum espécime dessa tribo odiosa?
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Ir embora mais cedo nem sempre é apenas charme, desejo de se fazer “difícil”. Porque, sabemos, há os “importantes”, ou os que querem parecer sê-lo – sem sê-lo (o mais das vezes). Esse pessoal não concede a presença com largueza, com magnanimidade. Pelo contrário: economiza-a quase com avareza, regra-a com parcimônia, como se fosse uma parca esmola distribuída aos pobres mortais. Pensa ele (ou ela) que se valoriza ao demorar pouco nos lugares. Costuma, como se diz, “não dar nem para cheirar”. Comparecem pouco, demoram pouco, confraternizam pouco. Mas não, repito, por boa filosofia, e sim por “teatro”, pela vontade tola de encarnar um “tipo”, uma máscara sem substância. Esses até que disfarçam – mas não enganam ninguém.
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Mas há os que gostam de sair mais cedo por mera timidez, por temperamento. Esses nunca exorbitam, nunca ultrapassam os limites do razoável e da conveniência. Estão sempre dentro da moldura. Todavia, não para fazer “gênero” nem por covardia. Estivessem numa ilha deserta e agiriam do mesmo modo. Ficassem invisíveis e seriam as mesmas pessoas. Como disse, é o temperamento que lhes dá autenticidade, verdade. Nenhuma afetação, nenhum “teatro”. São o que são, e, porque o são, servem de contraponto aos espaçosos, os que, por eles, não iriam embora nunca, valei-nos Deus.
O fato de essa frase, aparentemente banal, vir estampada numa camiseta significa que não é uma frase qualquer. Ela possui um sentido que vai além do óbvio. Sua finalidade é provocar quem a lê (os outros), afirmando a originalidade de quem a porta. É um manifesto, uma declaração de princípios, um lema de vida. Há uma inata e espontânea maneira de ser por trás dela, mas também pode haver, como disse, uma deliberada e refletida filosofia comportamental. Uma atitude. Não fosse assim, quem se interessaria em trazê-la ao peito, como uma medalha inútil?
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Ir embora mais cedo pode significar muitas coisas. Quando nada, um mínimo respeito pelos outros, nossos circunstantes, amenizando-os do eventual peso de nossa excessiva presença, quando é o caso. Por acaso os excessivos se percebem como tal? É improvável. Daí serem excessivos.
A genialidade de quem mandou inscrever essa frase na camiseta está exatamente em descobrir o extraordinário no ordinário, o profundo no raso. Provavelmente coisa de publicitário, de gente que sabe criar com inteligência e bom humor. Confesso que passei, a partir dessa criativa camiseta, a gostar ainda mais de ir embora mais cedo. E saindo sempre de leve, à francesa, sem incomodar ninguém, quando dá.