Uma colega, professora de Língua Portuguesa, contou-me que a sobrinha ficou chateada ao ser corrigida quando divulgava o casamento. Escreveu “estaram” em vez de “estarão”. Poxa, essa forma verbal sequer existe! Por se tratar de um evento tão importante, poderia ao menos ter a humildade de reconhecer o deslize e agradecer à tia. Optou por retrucar dizendo que não tinha obrigação de saber, pois não é professora de gramática.
Cottonbro Std
Opa! Não é bem assim. Na verdade, como pessoa escolarizada, supomos, deveria ser capaz de escrever com correção gramatical um convite, um bilhete, mensagens etc.
Noutro episódio, uma amiga pediu “trezentas gramas” de queijo. Como sou-lhe íntimo, senti-me no dever de corrigi-la para “trezentos gramas”. Afinal, é uma pessoa que trabalha com comunicação, psicóloga e escritora. Diferentemente do caso anterior, agradeceu. Antes seja eu do que uma pessoa com a qual não tenha intimidade e possa causar-lhe constrangimento. Não se trata de ser policialesco ou preconceituoso. É que se espera que um indivíduo escolarizado atenda a regras básicas da forma padrão da língua portuguesa.
Por muitos minimizarem a importância de falar e de escrever, temos nos deparado com um desleixo referente a princípios básicos da comunicação: clareza, elegância, precisão, adequação linguística, objetividade, entre outros. No entanto, parte expressiva da população tem se nivelado por baixo. Já ouvi de alunos a queixa acerca de ampliar o vocabulário – “por que saber dessa palavra se já existe outra mais fácil e eu não tenho interesse de utilizar essa”?
D.H. Snipes
Respondo: porque você não apenas escreve, você também ouve e lê e é ruim não entender uma informação, sobretudo em um momento quando não há como recorrer a um dicionário ou quando não se quer admitir a ignorância.
O dicionário, ao contrário do que se pensa, é o pai dos inteligentes, pois somente um tolo fica a contemplar a insipiência (confere essa palavra se não souber o significado), conformando-se em se manter onde está. A imersão no universo das palavras nos dá mais segurança para nomear nossos sentimentos para nós mesmos e para o mundo. Se tantas vezes nos sentimos limitados por não sabermos dizer em palavras como nos sentimos, imagine quando nosso repertório linguístico é demasiadamente limitado?
Habilidades se desenvolvem. Sabedor da minha dificuldade em escrever, vou em busca de mais ferramentas para facilitar a tarefa. E, mesmo com o advento da inteligência artificial, sem uma inteligência “natural” não há como avaliar adequadamente o texto produzido pelas IA. Como validar as informações e o propósito comunicativo de um texto automatizado se essa pessoa não for realmente letrada?
Em Perca o medo de escrever diz a professora Inez Sautchuk: “escrever pode não ser a primeira possibilidade de comunicação verbal, mas, com certeza[...] não é uma modalidade secundária”.
Saber se comunicar é um requisito para promover a ascensão social, cultural, profissional e mesmo pessoal. Da paquera – presencial ou virtual – a contextos acadêmicos. Um bilhete de amor, questões discursivas em concursos, um relatório para sua chefe, uma tese de doutorado. São tantas as situações comunicativas às quais por vezes somos desafiados e precisamos analisar quem é o interlocutor, o objetivo da mensagem, o conteúdo e a forma. Ou seja, a comunicação efetiva requer planejamento.
Sabemos que planejamento requer disposição, esforço por parte de quem produzirá um texto oral ou escrito. Pensar dói, então é mais fácil manter-se inerte. Porém, para tornar-se competente em algo é preciso estudar, no amplo sentido da palavra. E a consulta a dicionários, gramáticas, livros de produção textual, além de aulas com professores especializados, com acompanhamento, contribuem para o desenvolvimento das habilidades de comunicação.
W. Fortunato
Vejam. O resultado da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil publicado neste ano revelou que, pela primeira vez, a quantidade de não leitores é maior do que a de leitores. Surpreende-me que antes não fosse, pois sabemos que o livro para parte expressiva da população é visto como algo chato. Mais do que nunca, há de ser, diante da dificuldade de manter a atenção sustentada, em virtude das constantes interrupções provenientes das notificações do celular e do acesso contínuo às redes sociais, mas isso é pauta para outro texto...
Saber explorar a riqueza da nossa língua portuguesa é uma forma de liberdade, uma oportunidade de entrar em uma quarta dimensão e desenvolver um sétimo sentido.