Como ouvir as estrelas?

O escritor sul-africano de ascendência holandesa, Laurens van der Post, revelou que, quando viveu entre os bosquímanos do deserto de Kalahari, eles ficaram surpresos quando descobriram que ele não podia "ouvir as estrelas".

Não puderam entender como alguém não era capaz de algo tão "simples" e concluíram que ele só poderia estar muito doente.

O "dom" dos bosquímanos, reflete a sua conexão profunda com a natureza e com a dimensão espiritual da vida. Para esse povo, o "som" das estrelas traduz a harmonia universal,

Povo bosquímano
Héctor Ruiz Golobart/Globart

a ligação entre o humano e o cosmos, numa sensibilidade que transcende a mera audição literal, e se configura como um intenso estado de atenção ao silêncio, à intuição e à vida ao redor.

Os bosquímanos, ao descobrirem a "desconexão" de Van der Post, interpretaram esse fato como uma grave enfermidade que o impedia, e também a nós, de "ouvir" o mundo ao nosso redor, em toda a sua beleza, silêncio, mistério, força e sabedoria latente.

A sensibilidade é uma conquista, um caminho de transformação e conexão com o amor universal, que nos conduz a uma vida mais rica de significado e de propósito.

Na tradição oriental, particularmente no budismo e no taoísmo, a prática da meditação e do silêncio interior são essenciais para alcançar um estado de consciência elevado. O mestre budista Thich Nhat Hanh ensina que, ao nos conectarmos com o momento presente, podemos ouvir não apenas os sons externos, mas também a voz interior que nos guia em direção à compreensão da interdependência de todas as coisas.

Plotino CC0

Já para os taoístas, o Tao, o fluxo natural do universo, só pode ser percebido quando nos alinhamos com o vazio e o silêncio, onde reside a verdadeira sabedoria.

A filosofia ocidental também nos oferece pistas. Plotino, o filósofo neoplatônico, falava sobre a "Unidade" como a essência de tudo o que existe. Segundo ele, a alma humana, ao se desprender das distrações do mundo material, pode ascender a um estado de contemplação onde percebe a harmonia do universo.

A sabedoria dos bosquímanos não é apenas uma curiosidade cultural, mas um convite para repensarmos nossa relação com o mundo e com nós mesmos, em um mundo cada vez mais barulhento e distraído, no qual perdemos a capacidade de ouvir o murmúrio da eternidade.

A "doença" diagnosticada pelos bosquímanos é uma pandemia global: a desconexão com o mistério da existência e com a nossa própria essência.

Povo bosquímano (Deserto Kalahari) santi2104/Flickr

Para "ouvir as estrelas", é necessário cultivar a sensibilidade, a intuição e a atenção plena, o que requer uma escolha por desacelerar, e um esforço de silenciar a mente e abrir o coração.

O amor é a força que nos conecta com todas as coisas, é a vibração mais pura e elevada do universo. Quando nos alinhamos com essa energia sutil amorosa, começamos a perceber a beleza, o mistério e a sabedoria que estão presentes em cada estrela, em cada ser vivo e em cada momento da existência.

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