Numa tarde fagueira no início do Verão, saindo do Memorial Luiz Augusto Crispim, caminhei até a esquina da Rua Pedro II, para ob...

Cinquenta anos depois

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Numa tarde fagueira no início do Verão, saindo do Memorial Luiz Augusto Crispim, caminhei até a esquina da Rua Pedro II, para observar o prédio onde funcionou o jornal O Norte. Tantas vezes, quando passava por ali, olhei de soslaio os destroços daquele lugar, mas dessa vez tinha algo para recordar.

Olhando o prédio, construído durante o apogeu do jornal nos anos de 1970, recordaria uma data simbólica, quando entrei na redação com um pequeno texto e o bilhete de Nathanael Alves para o editor Teócrito Leal.

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Thom Milkovic
Era a primeira vez que entrava em um jornal. O burburinho da redação e as frenéticas máquinas de datilografia, ocupadas pela equipe de repórteres e redatores, me chamaram a atenção. Fachos de luz que entravam pela abertura no alto da sala, clareando o ambiente, deixavam tudo mais poético. Anos depois e por muitos outros períodos de minha vida, trabalhando nesse lugar, contemplei essa luz que se espalhava pela redação.

Me apresentei ao editor e, de pé, entreguei o bilhete. Segundos depois, travamos um diálogo que mudou a minha vida.

– Está com o texto? – perguntou.

Em resposta, entreguei a crônica. Ainda de pé, Teócrito leu o texto em silêncio. Suponho que tenha lido, porque correu a vista pelo papel datilografado.

– Pode deixar.

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Teócrito Leal A União
Agradeci e sai olhando em volta, onde os repórteres trabalhavam.

Dois dias depois, a crônica foi publicada na edição do jornal O Norte, a 5 de fevereiro de 1975.

A alegria de ver o texto publicado em letra impressa, somente foi superada sete anos depois, quando, ainda na maternidade, segurava em meus braços a minha filha Angélica. O primeiro impulso foi mostrar, aos amigos da fábrica onde trabalhava, a crônica no jornal, como uma filha bem-amada. Quanto ao nascimento da filha, a vontade era dizer a quem encontrava na rua: “Nasceu a minha filha. Nasceu! Agora sou pai!”

O título da crônica era “Amanhecer em Serraria”. Uma crônica de saudade, telúrica, sobre a visita que fizera à terra onde nasci, depois de quatro anos de ausência.

Nathanael tinha feito as devidas correções no texto e, na ocasião, indagou se eu desejava publicar.

– Se você acha que vale a pena, gostaria.

Quando nos encontramos no terraço de sua casa, em Tambauzinho, no sábado seguinte à publicação, Nathanael me animou a continuar escrevendo. Escrever todos
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Nathanael Alves A União
os dias, mesmo que não seja publicado. “Ler e escrever diariamente é indispensável para quem quer ser jornalista ou escritor”, foram estas as suas palavras.

Continuei a escrever e, cinquenta anos depois, as lembranças das palavras do amigo e da crônica publicada continuam como alimento para a minha atividade. Foi uma estreia que recordo todas as vezes que passo em frente do antigo prédio do jornal, hoje abandonado. Quanto à filha, motivo da minha exultação, seguiu os passos do pai, para sua alegria e orgulho da família.

Na crônica de minha estreia, descrevi meu reencontro com a casa dos devaneios na infância, dia em que passei uma noite de sonhos e lembranças. As paisagens que havia deixado quatro anos atrás tinham o mesmo sorriso. Andei pelas ruas de Serraria como um pastor procurando as ovelhas. Sempre me voltei para o infinito íntimo de minha terra.

Enquanto descia pela rua principal da cidade, encontrei meus primos e outros conhecidos. Olhei desolado para o grupo onde tinha estudado, mas não ouvia a voz da professora Iranete Wanderley, nem de dona Eterna Carvalho, a diretora que tinha gestos de mãe. Entrei na Igreja, ajoelhei-me em oração e observei a pia batismal onde recebi o Espírito Santo, quando padre Cornélio Belo me ungiu com água e untou com óleo bento.

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