O motivo são bolinhas de sabão. Muito trivial para o gosto de muitos que se apetecem com artimanhas eletrônicas capazes de levarem seu...

Bolas de sabão

infancia bolha sabao canudo mamao
O motivo são bolinhas de sabão. Muito trivial para o gosto de muitos que se apetecem com artimanhas eletrônicas capazes de levarem seus usuários a inimagináveis paragens aventureiras.

Mas a menina de pouco mais de dez anos soprava seu canudinho de mamão, a água dentro do copo de ágata borbulhando, as insignificantes e frágeis bolinhas alçando ao espaço. Umas explodindo logo, à força do vento ou algum obstáculo, outras subsistindo, se evadindo por entre galhos do sapotizeiro carregado do quintal.

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Bing
Ela sorrindo, num divertimento tão simples, tão pouco ou quase nada sobrevivente nos dias atuais. Sugava o líquido espumoso na ponta do canudo e, a um leve expelir de ar, via as esferas transparentes ganharem vida. Nelas se refletia o sol e as coloria por alguns instantes, em suas permanências rápidas, obsoletas, sem muita duração.

As bolinhas faziam lembrar tudo o que voava. Aliás, um helicóptero que o menino vizinho havia ganhado do pai, militar da aeronáutica, surgiu a competir com a brincadeira da menina radiante e orgulhosa do seu recreio. Movido a pilha elétrica, o artefato zarpava ruidoso e movido a controle remoto, controlado pelo dono. Não se desfazia como as bolinhas de sabão. Era potente, bonito, com dois bonequinhos fardados no comando.

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Luiz T Junior
A menina não deixou por nenhum momento a sua brincadeira para se enfeitiçar pelo helicóptero que, vez ou outra, detonava as esferas transparentes saídas da ponta do canudo. Ele ficava irritado pelo desprezo dado por ela. Mesmo porque estudavam juntos na mesma escola e guardavam uma concorrência de primeiros lugares nas provas escritas e orais.

Quase não conversavam na sala de aula: apenas se olhavam com olhos recolhidos, as faces franzidas, a vontade em se trocarem em palavrões. Disputa boba. No intervalo, ele, orgulhoso, demonstrava sua habilidade em pilotar. Ela ficava, após o lanche, conversando amenidades infantis.

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@Rose-Oman
As colegas a admiravam pela inteligência: a aluna era estudiosa, sempre recebia elogios pelas inúmeras notas máximas. Já o aluno era medíocre, preguiçoso, sonhador, moldado por frágil petulância em, no futuro, pilotar caças de guerra pelos céus belicosos, em defesa do Brasil.

Mal tirava a farda, após o almoço, após cumprir com as obrigações escolares, ela ia brincar com as bolinhas de sabão. Alguns passantes paravam. Geralmente idosos que, na infância, haviam feito tal qual a garota. Recordavam a brincadeira e avós mostravam-na repetida pelo sopro dos lábios da criança aos netos que puxavam pelas mãos. Estes nem ligavam aquela chatice.

A menina continuava, embora asmática, a criar bolinhas inocentes que lhe pairavam sobre a cabeça. O menino do helicóptero aderira aos passatempos eletrônicos movidos a dedo deslizantes sobre telinhas lisas e sensíveis. Nunca mais viera incomodá-la. Não mais lhe dera bolas...

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  1. O cronista sempre lírico e nostálgico. Parabéns, Guerra. Francisco Gil Messias.

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  2. Grato, amigo e poeta Gil.

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