Na sessão da Assembleia da Paraíba, realizada no dia 17 de setembro de 1884, foi apreciado um projeto que autorizava o governo da Província a adquirir os direitos sobre uma História da Paraíba que havia sido escrita por um historiador paraibano. O projeto proposto por oito deputados do Partido Liberal, entre eles o jornalista Irineu Joffily e o vigário de Bananeiras José Euphrosino Ramalho, tinha o seguinte texto:
“Art. 1º - Fica o presidente da província authorizado á contratar com o Dr. Maximiano Lopes Machado, a acquisição do autographo da - Historia da província da Parahyba -, por ele escripta; despendendo com a impressão da dita obra, que ficará sendo propriedade da província, até 15:000$000.
Art 2º - No contracto se obrigará principalmente o autor á fazer entrega do referido manuscripto completo, dentro do praso de um anno, e pela revisão de sua impressão.
Art. 3º - Revogão-se as disposições em contrario.
Irinêo Joffely, A. Nobrega, J. Campello, Benevides, Euphrosino, Costa e Sá, Botelho, Lordão”
Submetido o projeto à votação, um dos deputados levantou uma questão de ordem declarando, conforme matéria publicada no Diario da Parahyba, “que o projecto não era de utilidade!!!”. O jornal acrescentava:Art 2º - No contracto se obrigará principalmente o autor á fazer entrega do referido manuscripto completo, dentro do praso de um anno, e pela revisão de sua impressão.
Art. 3º - Revogão-se as disposições em contrario.
Irinêo Joffely, A. Nobrega, J. Campello, Benevides, Euphrosino, Costa e Sá, Botelho, Lordão”
“É deploravel que esta província, cuja historia está tão cheia de actos de heroísmo dos seus filhos [...] ainda não tenha a sua historia escripta, aliás publicada; e que a sua assembléa não julgue semelhante assumpto objeto de deliberação! Que os esforços de um parahybano, como o Dr. Machado, o mais illustrado, o mais competente da geração que floresce, sejão despresados por uma corporação, que devia ser a primeira a zelar e honrar o nome parahybano!”
Naquela época, há cerca de 140 anos, Maximiano Machado, era um dos principais intelectuais paraibanos, “o mais ilustrado”, como o classificou o Diario da Parahyba. A competência de Machado como historiador também já havia sido demonstrada. Três décadas antes, ele havia escrito o Quadro da Revolta Praieira na Província da Parahyba, relatando episódios da insurreição dos quais participara. Em janeiro daquele mesmo ano de 1884, fora publicado, no Recife, o seu excepcional estudo introdutório (com o acréscimo de 57 notas explicativas e transcrições de documentos) à segunda edição da História da Revolução de Pernambuco em 1817, do monsenhor Muniz Tavares, um dos insurgentes de 17. Além do mais, Maximiano Machado era, há algum tempo, um dos mais ativos membros do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, do qual era o orador.
Maximiano Lopes Machado nasceu, em 1821, na capital da Paraíba. Era filho de um comerciante português que tinha familiares na cidade de Areia. Um dos seus irmãos era o pai de Álvaro e João Lopes Machado, presidentes do Estado nos primeiros tempos da República. Maximiano fez os estudos básicos com os religiosos do convento da Madre de Deus, no Recife, onde seu pai fixara residência. Ingressou, em 1839, na Faculdade de Direito, ainda no tempo em que a academia funcionava em Olinda e, após a conclusão do curso, foi designado promotor público de Olinda e Igarassu. Em 1847, foi nomeado juiz municipal dos termos reunidos de Brejo de Areia e Campina Grande.
Durante o período da magistratura de Maximiano Machado em Areia, ocorreu um dos episódios mais marcantes da sua vida. Era o tempo do Império e dois partidos se alternavam no poder, o partido Liberal e o Conservador. Em 1848, os conservadores voltavam a assumir o governo, após quatro anos de um gabinete liberal. A mudança no governo central se refletia na administração das províncias. Em Pernambuco, as mudanças dos postos extrapolaram para perseguições aos liberais que lá eram chamados praieiros em razão da sede do partido ficar na rua da Praia. O confronto armado entre os dois grupos foi inevitável. Surgiu, naquele momento, a Revolução Praieira. Os liberais foram vencidos no Recife, mas decidiram levar a luta para o interior e uma coluna decidiu ir para a Paraíba onde, segundo o político e historiador Tavares Cavalcanti:
“Havia [...] elementos de valia que ainda commungavam nas idéas do liberalismo extremado. Tinham estes o seu reducto na Cidade de Areia, a mesma donde partira o grito revolucionário de 1824 e aproveitaram-se para no momento opportuno interferir no movimento pernambucano” (O Jornal, Rio de Janeiro, 14.09.1930)
O próprio Maximiano Machado expôs as razões que levaram à escolha da cidade brejeira para sediar a resistência dos praieiros, que vinham sendo perseguidos pelas forças do governo: “Nenhum outro logar melhores proporções offerecia que a cidade d’Arêa: a sua localidade, os seus habitantes, as autoridades eram outros tantos auxiliares com que deviam contar”. Com a chegada dos revoltosos a Areia, os principais liberais do lugar se arregimentaram para, nas palavras de Tavares Cavalcanti, “salvar a revolução periclitante”. Entre eles estava Maximiano Machado que, segundo o historiador Horácio de Almeida, “cedeu sua casa [...] para instalação do quartel-general” dos rebelados.
Apesar da topografia de Areia favorecer a posição de defesa dos revoltosos não foi o que ocorreu. A falta de um comando capaz e o desânimo que se alastrou pelo grupo dos combatentes praieiros criaram as condições para a tomada da vila pelas forças do governo. No dia 21 de fevereiro de 1849, as tropas governistas adentravam em Areia e os combates foram travados em uma das ruas da vila onde existia uma secular gameleira, que era uma espécie de monumento vivo do lugar. Conforme escreveu Horácio de Almeida, “Eram cinco horas da tarde quando o exército de Feliciano Falcão ocupou a cidade. A rebelião praieira havia chegado ao fim. Nasceu no Recife e morreu em Areia”.
Ferido no combate contra as tropas governistas, Maximiano Machado acompanhou os revoltosos na sua fuga da cidade. Passou por Pocinhos, Ingá e foi preso em um engenho em Pilar, mas foi solto por meio de um habeas corpus porque a sua prisão não havia sido decorrente de uma decisão judicial. Nas palavras de Machado, ele teria sido preso “em virtude de um mandado não judicial, mas presidencial” porque havia sido emitido pelo presidente da Província. Pouco tempo depois, um ato do governo imperial o transferia para uma remota comarca no Mato Grosso. Machado abandonou a magistratura e, por dois anos, andou se escondendo para escapar de nova prisão.
Em 28 de maio de 1851, três envolvidos no episódio da Revolução Praieira em Areia, Maximiano Machado, o padre José Genuino Chacon e o tenente-coronel Antonio José Gonçalves Lima, que haviam sido “pronunciados pelo chefe de policia da província da Parahyba como cabeças da rebelião”, foram anistiados por um ato do ministro da Justiça Eusébio de Queiroz. Após a anistia, Maximiano Machado foi morar em Campina Grande onde, nas palavras do escritor Epaminodas Câmara, se tornou “o pioneiro do movimento intelectual” da então Vila Nova da Rainha. Passou a atuar como advogado e como o chefe do Partido Liberal na vila. No seu período em Campina Grande, Machado foi eleito por duas vezes para a Assembleia provincial da Paraíba. Em 1862, Maximiano se transferiu para o Recife. Além do seu trabalho como advogado, foi um dos primeiros professores da Escola Normal da cidade. Retomou a atividade política, tendo sido eleito para a Assembleia de Pernambuco em três legislaturas. Permaneceu residindo no Recife até o seu falecimento.
Mas, voltemos ao tortuoso caminho que iria trilhar, até a sua publicação, a História da Província da Paraíba de Maximiano Machado.
Dois anos após a rejeição pela Assembleia da Paraíba do projeto para impressão do livro de Machado, o Instituto Arqueológico de Pernambuco, em sessão realizada em 5 de agosto de 1886, decidiu encaminhar um pedido à Assembleia da Paraíba para que a obra fosse editada. Conforme escreveu João de Lyra Tavares, a situação política vigente criava embaraços para a publicação:
“Votada a autorização pelo poder legislativo, deixou de sanccional-a o presidente da província sob o pretexto de falta de recursos nos cofres públicos como se embaraços momentaneos fundamentassem a eterna condenação de uma providencia utilíssima.
O dr. Maximiniano Machado pertencia ao partido liberal e dominava então uma situação conservadora”
O dr. Maximiniano Machado pertencia ao partido liberal e dominava então uma situação conservadora”
Em 1889, a Gazeta do Sertão, jornal de Campina Grande dirigido por Irineu Joffily, chegara a publicar partes de um capítulo do livro de Maximiano. Em 1893, a Assembleia paraibana votava uma lei que autorizava a aquisição e a impressão da obra de Machado pelo Estado (já estávamos na República). Mas, segundo João de Lyra Tavares, “esta resolução permaneceu, entretanto, esquecida, apezar de insistirem pela sua execução vários intelectuaes sinceramente interessados pelo aproveitamento das raras contribuições conseguidas para o conhecimento do nosso passado”. Em fevereiro de 1895, Maximiano Lopes Machado falecia no Recife deixando inédita a sua História da Província da Paraíba.
O Jornal do Recife (edição de 16.02.1895) e a Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro (edição de 24.02.1895) noticiam o falecimento de Maximiano Lopes Machado (12.02.1895). ▪ Fonte: Biblioteca Nacional
O tempo passava, chegava-se a um novo século e o livro de Maximiano Machado continuava ainda em forma de manuscrito. Em 1909, a primeira revista publicada pelo Instituto Histórico e Geográfico Paraibano trazia um capítulo da tão esperada obra de Machado Em 1910, por propositura do deputado João de Lyra Tavares, um novo projeto foi aprovado pela Assembleia estabelecendo o valor de “seis contos de reis como indemnização aos herdeiros do auctor”, se encarregando o governo estadual com os custos da impressão do livro.
Em mensagem encaminhada ao legislativo, em setembro de 1911, o presidente João Lopes Machado, sobrinho de Maximiano Machado, declarava:
“Cumprindo as disposições da Lei que votastes na ultima sessão, e dentro dos limites que estabelecestes, adquiri os autógrafos pertencentes aos herdeiros do nosso saudoso conterrâneo Dr. Maximiano Lopes Machado, sobre a historia da Parahyba escripta por esse conceituado publicista. Foi encarregado de dirigir a sua publicação o referido Sr. coronel João de Lyra Tavares e posso informar-vos que a impressão está adiantada, devendo ficar concluída dentro de dous mezes. Brevemente, portanto, circulará o novo livro que virá certamente prestar inestimável concurso aos obreiros da historia nacional”
No ano seguinte, 1912, saía, afinal, pela Imprensa Oficial do Estado, depois de cerca de trinta anos que fora escrita, a História da Província da Paraíba de Maximiano Machado. O presidente João Machado, em seu relatório anual, declarava que determinara “a entrega ao Thesouro da obra editada, afim de ser exposta á venda, e o respectivo producto é destinado a alliviar os cofres públicos dos gastos feitos com a sua compra e impressão”.
Em 1949, em sua posse na Academia Paraibana de Letras, na cadeira que tem Maximiano Machado como patrono, o escritor Lopes de Andrade fez o seguinte comentário sobre a História da Província da Paraíba de Maximiano Machado:
“Fundando a história escrita da Paraíba, Maximiano Machado levantava-se com o seu livro contra a tese de Varnhagen que tendo escrito uma ‘História Geral do Brasil’, achava que a história das Províncias era, pela sua extensão, uma história menor e, como tal, deveria ser tratada por historiadores menores. [...] esta divergência do historiador paraibano com a orientação geral, que Varnhagen tentava imprimir aos estudos históricos brasileiros [...] levaram
o dr. Maximiano Lopes Machado a escrever a ‘História da Província da Paraíba’, hoje seu livro máximo, e sem dúvida nenhuma, o mais completo e erudito compendio de história do nosso Estado”
Somente em 1977, sessenta e cinco anos após a sua publicação, a História da Província da Paraíba de Maximiano Machado, teria uma segunda edição pela Editora da Universidade Federal da Paraíba. De lá pra cá já faz quase meio século e hoje a segunda edição do livro de Maximiano Machado só é encontrada para aquisição em sebos, com preços que variam de 150 a 200 reais apenas para um dos dois volumes em que a obra foi dividida. Uma terceira edição da História da Província da Paraíba faz-se necessária. Fica a sugestão para Naná Garcez, William Costa e a Editora A União.