A violência contra as mulheres é um tema que me destrói. E todos os dias sou contaminada por ele. Seja pelas notícias da TV seja ao meu...

Um Conto de Natal & As Meninas Brasileiras

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A violência contra as mulheres é um tema que me destrói. E todos os dias sou contaminada por ele. Seja pelas notícias da TV seja ao meu redor. Todos os dias, o dia todo.

Maria (nome fictício) é uma jovem nos seus vinte anos. Entrou para igreja evangélica onde fazia catecismo, cantava, e vendia doces. Encontrou José, um rapaz alto e aparentemente normal, só aparentemente. Namoraram e o desejo sexual tinindo, normal, mas, as amarras da opressão sexual latejavam em Maria. Mas José com os hormônios em dia, forçava a barra e finalmente transaram. Maria se viu acuada e
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desenvolveu Síndrome de Pânico. Conhecia esse transtorno pois a sua mãe, Antônia, vivia nesse suplício, por conta das encruzilhadas de uma vida dura em busca do pão de cada dia. Um dia, Maria e José marcaram o casamento como manda o figurino. Bolo e bem-casados. Mas, Maria não sabia muito de sexo e aquele marido queria sexo selvagem a toda hora. Maria se machucava e pedia calma e carinho. Jose se aventou-se e exigiu: Você é minha mulher. Tem que me servir. Imaginem! E nem estamos em Gabriela, quando o Senhorzinho dizia essa pérola para o personagem de Maitê Proença (nessa última versão). Maria apanhou e fugiu de casa. Pediu abrigo na casa da sua mãe. E de lá não mais saiu.

Passou um tempo. Pouco tempo. Maria arrumou outro namorado. Parecia gentil. E começaram o namoro. Com dois meses Maria ficou grávida. Todos pareciam felizes. Um bebê! Até parece uma salvação. Uma saída falsa, para quem vive na tragédia cotidiana das famílias pobres deste país. Com mais dois meses, Maria acabou o namoro. O namorado novo, Jonas, ficou querendo controlar Maria. Fazendo exigências bobas. Clonou o seu celular. Mais um tempo, Maria com a barriga a crescer, se viu fragilizada e assediada pelo namorado que quis voltar. Voltaram. Ela a frequentar a sua casa, mora com a mãe, a fazer planos, trabalhar, até que chegou dezembro, tempos de festas de confraternização.

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Conheço mulheres que, quando chegam nessa época, confessam que os maridos não aprovam festas em que eles não são incluídos. Quem já viu, mulher com festas todas delas? Querem ir também. Não importando o quão esdrúxulo essa presença possa parecer. Controle, claro! Vigiar, aparentemente sem punir! Não tem Foucault que dê conta!

Pois Jonas também não gostou dessa ideia. Maria numa festa só dela. E que festa era essa? Um café, um bolo, uns abraços, amigo secreto, mas, mesmo assim, ele queria ir. Quem já se viu? A sua mãe também não achava correto uma mulher grávida, ir para uma confraternização sem o namorado. Mas Maria bateu o pé e disse que ele não fora convidado. Aliás, ninguém de fora iria.

Jonas tomou uma cachaça, ficou bêbado, se drogou, não sabemos bem com o quê. E foi lá no serviço de Maria. Aprontou, puxou-a pelos cabelos. Bateu. Ameaçou. E o pessoal chamou a polícia, que demorou a chegar. A mãe de Maria foi também chamada para socorrer Maria que, em choque, chorava. Jonas esbravejava. Afrontou a sogra. Bradou que era faccionado. Que mataria. Que todos iriam ver.
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Que isso que aquilo. A polícia disse – Teje preso! E na delegacia, Jonas, ainda sob o efeito das drogas todas, era audacioso. E aparentava não ter medo. A delegada fazia perguntas. E a mãe de Jonas ficou ao seu lado. Tens razão, meu filho. Jonas foi para o Roger. Audiência de Custódia. Mas com certeza foi solto. As testemunhas declinaram seus depoimentos. Medo. Medo da rebordosa. Da vingança. Da impunidade. E Maria não dormiu. Temerosa. A sua mãe, chorou muito. Que vida é essa? Só tragédia! Só aperreio! Você tem que escolher Maria: ou vai levar essa vida ao lado desse marginal, ou vem comigo, sem olhar para trás e viveremos em paz. Que paz, meu Deus!

Lembrei-lhe do avião – primeiro respire para poder ajudar o vizinho a não se afogar. Ou a se danar. Quando a ressaca de Jonas passar. Que ele já tiver vomitado, dormido, acordado, com certeza virá de mansinho, mansinho, tocando um pianinho, pedir desculpas, dizer que estava bêbado, que ama Maria, que quer o filhinho, ou filhinha (terá nome de rainha), e que pretende mudar. Maria, fragilizada que deve estar, com medo e assustada até com a própria sombra, ficará mexida, como tantas mulheres violentadas e maltratadas, terá pena, terá a ilusão de que com ela sim, ele vai mudar. Que a sua bebê precisa de um pai. Sim! Ele vai mudar. Foi só um estresse pela bebida. Dará certo. Afinal, que outro caminho terei? Minha menina nasce já e precisamos de um lar. De uma família. De um pai. Sim, vou retirar minha queixa. Sim, vou em frente. Sim, tudo vai dar certo.

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Mas sabemos que nada vai dar certo. Jonas na primeira oportunidade, tomará outras, será um cão vigia da sua vida, e sem festa de confraternização. Se quiser será em prisão domiciliar. E com a sogra de guarda. Agora para Maria e a sua filhinha quando nascer.

E o ciclo continua. Se continuar, pois com a vida em perigo, nem sabemos, ou sabemos, onde tudo isso vai dar.

Que triste é a vida das mulheres. Das meninas brasileiras!

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