Sem formar ostensivamente no bloco dos saudosistas e, seja como for, respeitando-os, Cícero Lucena, o piranhense que pela quarta vez administra a terceira mais antiga capital do Brasil, não parece estranho a esta (para nós riquíssima) peculiaridade histórica de João Pessoa.
Deve-se à primeira gestão de Cícero a ocupação do espaço aberto pela cobertura do viaduto, entre a antiga sede central do Cabo Branco e a Biblioteca, com a construção do primeiro e mais popular shopping da cidade. A ideia não prometia muito, salvo acomodar o mais vulnerável dos comércios, o ambulante, tendo em vista a ”limpeza” e reativação do Ponto de Cem Réis. Resultado: não apenas salvou do abandono total o ponto mais frequentado da cidade, que mudou de clientela ou de classe social sem perder o direito ou a consagração de principal praça histórica da cidade. Isto é, da cidade que vem de Martim Leitão, avistada para cá do Rio Jaguaribe.
O Terceirão juntou-se ao patrimônio das igrejas, do sagrado e da praça dos Poderes para aviventar o que resta do centro, enchê-lo de passos e de tributos espirituais.
Acreditando nesse incentivo, no êxito desse empreendimento, surgem os herdeiros de João Medeiros e se associam aos Maias convertendo duas mansões aristocráticas, tudo o que sobrava delas, para construírem e instalarem o Shopping Tambiá. Novo resultado: revascularizou-se o equivalente a todo o antigo Tambiá de casas fechadas ou prestes a isso. A Santo Elias, via principal entre a Lagoa e o shopping, de antigas cadeiras nas calçadas, obriga a Prefeitura a tratá-la como passarela de rico para a mais populosa e agitada das classes sociais.
Eu era iniciante na bancada de imprensa da Assembleia, a da praça Pedro Américo/Aristides Lobo, em 1956/57, quando a pauta dos debates já pugnava pela limpeza moral e social da Silva Jardim. Silva Jardim, simbolizando todo o bairro, era o antro de puteiros no cotidiano da tribuna, inadmissível como vizinho do Poder Legislativo, o poder “mais representativo das nossas elites morais e sociais”. Lembro que apenas um dos deputados replicou a discriminação: o deputado Barreto Sobrinho. Cercada das melhores referências, atrás do Palácio, da Assembleia, dos Correios, da B. Rohan, era rua por onde não podiam transitar famílias. E já se via bairro morto, como morta está hoje a venerável rua das Trincheiras.
Vem Cícero, não sei de qual mandato, e reabre o amplo e vasto prédio da 4.400, um antigo templo de consumo sem distinção de classes, na B. Rohan. Era a versão II do Terceirão. Gabaritou as ruas paralelas e seus cruzamentos e temos, hoje, um comércio de salto alto liderado pela Riachuelo e adjacências. Comércio de aviamento, de tecidos, de confecções onde minha filha Cibele vem comprar a chita e outros mimos do seu gosto que não coincide com o da Normandia, onde vive.
Estranhei que durante a última campanha Cícero não rememorasse esses passos tão práticos, efetivos, de indiscutíveis resultados para a história da cidade na sua propaganda. Ele, que é político, certamente achou que não daria voto. Mas ainda espero, mesmo assim, que as Trincheiras, continuação da Rua Direita, antiga saída para o Sul, com a sua belíssima Balaustrada, ganhe o seu Terceirão. Ou, mais propriamente, o seu Trincheirão. Pra fazer isto só tem ele.
Publicado originalmente em A União