Definitivamente, esse negócio de colocar no filho o nome do pai é muito arriscado. Raramente dá certo. Ou seja, raramente o filho está à altura do pai, principalmente quando este se destacou positivamente por alguma razão. Caráter, talento e genialidade não são transmissíveis geneticamente. E aí geralmente se frustram as expectativas de continuidade do pai no filho. A história está cheia de exemplos.
Fiquei a refletir sobre isso ao ver Robert Kennedy Jr. ser indicado para compor a equipe ministerial do próximo governo Trump. Vejam só. Tento entender e não consigo. É como se o filho de Rubens Paiva, o deputado morto pela ditadura militar, aceitasse participar de um hipotético governo Bolsonaro. Ou como se um filho de Martin Luther King ingressasse na Ku Klux Klan. Ou como se um filho de Zico do Flamengo torcesse fanaticamente pelo Fluminense. Paradoxo dos paradoxos. Traição das traições.
Imagino, como se diz, Robert Kennedy, pai, revolvendo-se agoniado na tumba. Se fosse outro filho dos muitos que teve, já seria inadmissível; imagine ser justamente aquele que leva o seu nome, ícone dos democratas americanos, aureolado pela tragédia do martírio. Como se sabe, a família Kennedy (John, Robert e Ted) é sinônimo, nos EUA, de partido democrata. Tal como Franklin Roosevelt, presidente antes e durante a Segunda Grande Guerra, por quatro mandatos consecutivos, fato único, provavelmente irrepetível. Como pode um de seus membros apoiar e participar do mais republicano e retrógrado dos governos?
Repito: esse negócio de colocar no filho o nome do pai é muito arriscado. Arriscado para o pai, que pode ter seu nome enxovalhado por um descendente que o envergonhe (ou à sua memória); arriscado também para o filho, às vezes obrigado a carregar o peso do nome paterno, do qual, quase sempre, não está à altura. A psicanálise já se manifestou sobre isso e não recomenda essa prática, que é universal. Imagine-se, por exemplo, um filho de Einstein que resolvesse ser físico: seria sempre considerado medíocre na comparação com a genialidade do pai. Um hipotético filho de Machado de Assis que decidisse viver das e para as letras.
Existem raros casos de filhos que estiveram ou estão à altura do nome paterno. À minha mente só vem agora o do neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho, tão glorioso quanto o pai, na mesma área de atividade. Um caso quase único. Uma exceção de que a regra é o filho ser menor que o pai, não raro uma verdadeira e explícita negação dos valores do ascendente.
Pai corajoso e filho covarde. Pai honesto e filho ladrão. Pai genial e filho medíocre. Pai empreendedor e filho preguiçoso. Pai líder e filho sem carisma. Pai honrado e filho crápula. Pai progressista e filho reacionário. Pai femeeiro, como diria Gilberto Freyre, e filho nem tanto. E por aí vai. Os exemplos são inúmeros. Praticamente toda família tem o seu caso, uns mais relevantes, outros, menos.
Esse apóstata Robert Kennedy Jr., para agravar ainda mais o que já é bastante grave, é um negacionista das vacinas e vai dirigir a área da saúde norte-americana. Pelo visto, escolhido a dedo pelo negacionista maior, seu chefe. Uma perspectiva nada alvissareira para a população do país que pretende liderar o mundo.
O grande Frank Sinatra teve um filho cantor com o seu nome. Bom cantor, a bem da verdade. Mas a léguas de distância do talento e do carisma paternos. Deve ter ouvido muito a frase cruel: “Sou mais o pai”. E, bem no íntimo, deve ter sofrido, em silêncio.
Frank Sinatra
Frank Sinatra Jr.
Um nome paterno ilustre pode também, sob alguns aspectos, facilitar a vida do filho homônimo. Esses nomes, sabemos, abrem portas fechadas ao comum dos mortais. Arranjam empregos e cargos atraentes. Fraudam concursos e licitações, para beneficiar o “menino” do importante papai. E não só aqui, mas no mundo todo. Quem quiser que pesquise. E quanto mais desigual for a sociedade, mais esses nomes têm força, perpetuando execráveis elitismos. Certa vez, num determinado concurso, ouvi um pai gabando-se de que o filho fora aprovado após a banca verificar a ascendência supostamente preclara do candidato. Não percebia esse pai que contando isso desqualificava completamente a aprovação do filho. Vejam só, quanta vaidade – e quanta burrice...
Robert Kennedy, pai, lutou, ao lado do irmão John, pelos direitos civis dos negros americanos. Foi assassinado, assim como o irmão presidente, porque contrariou poderosos interesses. Ambos marcaram, com sua liderança, seu carisma e seu martírio, o século XX, tão cheio de tragédias. Para muitos, foi um herói do mundo livre e das liberdades em geral. Esperemos que o filho homônimo não chegue jamais a se notabilizar sendo exatamente o seu oposto.
Diz-se dos Kennedy – não sem razão - que são uma família marcada pela tragédia. E de fato são: a morte do primogênito do patriarca Joseph na Segunda Grande Guerra, a lobotomização de Rosemary, uma de suas filhas, o assassinato dos irmãos John e Robert, o pouco explicado acidente de carro de Ted, no qual morreram sua secretária e suas chances de chegar à Casa Branca, depois a precoce morte de John Jr. em acidente de avião. Outros infortúnios ocorreram com familiares vários. E agora essa traição de Robert Jr. ao nome do pai e ao clã. Sem dúvida, uma tragédia não menor que as demais.