Estes últimos dias foram para mim tempos de saudade, recolhimento e de algumas reflexões acerca da complexidade e brevidade da vida.
Comecei pela saudade do filho que partiu naquela viagem fora do combinado; e, essa fatalidade ocorreu justamente no dia em que se comemora a Natividade. Recolhimento, introspecção não curam saudade, mas aliviam. Essas idiossincrasias puxam pelas reflexões e aí fui navegando por elas, algumas dolorosas, outras nem tanto.
Foi quando me dei conta da neve que se acumulou em minha carapinha. Esse branquejamento não deixa de ser um atestado de experiência e até de alguma sabedoria. Então, aí me surge a dúvida: Ainda terei tempo de aplicar essas lições acumuladas ao longo de minha trajetória, pelo menos algumas, as mais marcantes e significativas?
A resposta a essa indagação não é difícil de se deduzir. Posso, como dizem, ir tirando o cavalinho da chuva. Daqui para frente as oportunidades irão se rarear e de toda minha experiência, o que mais posso delas fazer é transmiti-la aos que ainda estão nas pelejas da vida. E quem está em situações assim, nas labutas, renega os bons conselhos, quer fazer sempre ao seu jeito. Foi assim comigo, provavelmente com o leitor, se este estiver também vivendo seu outono neste planeta. É melhor mudar a pauta e desviar nossas conjecturas para outras veredas.
Longe de casa, visitando filha na pauliceia, pude me dar ao luxo de tomar um tempinho para caminhar. Aqui disponho de uma bela praça, arborizada, cravada no Alto de Pinheiros. Nem parece que estamos em terras bandeirantes.
Mas não vou só por essas andanças, disponho de um pequeno acompanhante, um tirano, um cãozinho de minha filha. Este me adotou e não o contrário. É meu companheirinho nas caminhadas. Cedinho saímos quando posso dar asas às minhas reflexões.
Na praça há um cercado destinado a esses amigos de quatro patas e é ali o ponto final do meu percurso. Solto Link (esse é nome da criaturinha) e ele se esbalda no meio da matilha heterogênea. A primeira coisa que observei foi a presença de cães de raça indefinida. Só um ou outro é de estirpe mais nobre. Sinto quando estou por lá, que pedigree só se for do tutor (não se diz mais, dono, agora é tutor) e não do totó. É um povo elegante, que os mínimos gestos denunciam a robustez da conta bancária. Eles como, seus protegidos, se interagem.
Ali pauta da conversa não poderia ser outra: cães. É ali um cantinho de convivência onde, me parece, tenha surgido essa natural camaradagem entre os que frequentam esse cercado: gente com gente, cachorro com cachorro. Em alguns momentos gente com cachorro e cachorro com gente.
Conversa daqui, conversa dali, surgiu camaradagem com Robertão e Chicão (o de quatro patas é o segundo), Ringo e Kiko (aqui quem late é o primeiro). E prosa de quem está sem o que fazer ou sem a premência de alguns compromissos é demorada e preguiçosa. E já perceberam: quem gosta de gastar tempo são os da comunidade da bengala.
Foi aí que esses dois parças me contaram de Luís (parece-me que o nome é esse) quem também sempre vejo por lá. Um estranho sujeito, vai sem seu cão, mas leva água, vasilha, senta-se ao jeito de Buda ao cruzar as pernas e interage com a bicharada, Sabe o nome de todos os peludos habituês do local. Abraça a cachorrada, distribui afetos, mata-lhes a sede. Mas não dá mínima atenção a nós, os humanos que levamos nossos protegidos para lá.
Dizem que esse sujeito é um ermitão, vive só. Teria tido desavença com irmãos e se afastado do convívio familiar. Para piorar, perdera há pouco tempo seu cão e estar ali é sua maneira de matar essa saudade.
E na roda que formamos por lá, os dois chapas citados linhas atrás, mais uns e umas que vão chegando, Luís se torna a pauta. Alguém, valendo-se de estatísticas, trouxe à luz a premissa de que se mais de umas vinte pessoas se juntam a probabilidade de ter um esquisito entre elas é alta.
No caminho de volta, lembrei-me do Luís. Lembrei-me também daquele meu filho que me traz a mais dolorida das saudades. Era ele pequenino e um dia me dissera: “Pai, como é que tem gente que não tem cachorro?”
Ah, Luís nos perdoe pelas maledicências. Esquisito somos nós e também os que não têm cachorro. Você, meu caro, é a alma franciscana, e que por algumas horas do seu dia se dedica a transmitir afeto, algo do que a humanidade é tão carente, menos os cães que você abraça.