POEMAS DO LIVRO “Manual de Estilhaçar Vidraças”
(Editora COUSA – 2022)
(Editora COUSA – 2022)
MANUAL PARA LOUVAR A POESIA
Abençoado o terror dos dedos entregues à poesia madrugadora. Abençoado o menestrel das insurgências absurdas, das desculpas, do torvelinho, que late solto pelas cordilheiras. Abençoado o nascido sonolento, um passo atrás das urgências. Abençoado o talo da imensidão e o machado do corte, o soletrar dos vícios na paz dos escombros. Abençoado o mote, o vergalhão tombado, as cicatrizes das antenas, a inútil calmaria dos mares. Abençoado o martírio do abismo de não saber de Deus. Abençoado, Abençoado o vacilo nas corredeiras, nas galerias dos palácios. Abençoado o palhaço de lágrimas de estrelas e destemidos solfejos. Abençoado seja. Abençoado o fascínio pelas palavras no cortejo do esquecimento. Abençoado o inaudito, o espanto da primeira vez, o espasmo das carnes, a petite mort. Abençoado cadáver. Abençoado gargalo. Abençoados os pesos, medidas, cartilhas e atropelos. Abençoado o estalo da palavra, no nascedouro das constelações. Abençoado o negro buraco, e o conforto dos anjos.
Abençoado o terror dos dedos entregues à poesia madrugadora. Abençoado o menestrel das insurgências absurdas, das desculpas, do torvelinho, que late solto pelas cordilheiras. Abençoado o nascido sonolento, um passo atrás das urgências. Abençoado o talo da imensidão e o machado do corte, o soletrar dos vícios na paz dos escombros. Abençoado o mote, o vergalhão tombado, as cicatrizes das antenas, a inútil calmaria dos mares. Abençoado o martírio do abismo de não saber de Deus. Abençoado, Abençoado o vacilo nas corredeiras, nas galerias dos palácios. Abençoado o palhaço de lágrimas de estrelas e destemidos solfejos. Abençoado seja. Abençoado o fascínio pelas palavras no cortejo do esquecimento. Abençoado o inaudito, o espanto da primeira vez, o espasmo das carnes, a petite mort. Abençoado cadáver. Abençoado gargalo. Abençoados os pesos, medidas, cartilhas e atropelos. Abençoado o estalo da palavra, no nascedouro das constelações. Abençoado o negro buraco, e o conforto dos anjos.
MANUAL ACALORADO DO ESPÍRITO
Demônios, aflorai na pele morta dos que se olham e se desprezam. O molho de chaves serve a uma única porta sem propósito ̶— desperdício. Demônios, padrinhos desprezados, calor de minha alma, rota sem rumo ou abrigo. Movam a taça no beiral da sanidade. Cessem a verdade, — resma de dúvidas. (Morra absolutamente a consciência do tempo, o transitório alívio, o desentendido lapso da razão, o deslumbramento.) A paz de demônios é o que nos rege ou o que ignoramos? A paz é alicerce ou privação, remanso? Agir, demônios, agir! Não ter na culpa o embuste. (Os mortos ignoram as fuligens e as traças.) E, se houver vingança, será de outra tez pálida, a continuar o traço e a falácia humana. Despertem, demônios, eu os escuto, e introduzo o que resta, esta lentidão das palavras mortas, este ócio, este vulto, este desapego.
Demônios, aflorai na pele morta dos que se olham e se desprezam. O molho de chaves serve a uma única porta sem propósito ̶— desperdício. Demônios, padrinhos desprezados, calor de minha alma, rota sem rumo ou abrigo. Movam a taça no beiral da sanidade. Cessem a verdade, — resma de dúvidas. (Morra absolutamente a consciência do tempo, o transitório alívio, o desentendido lapso da razão, o deslumbramento.) A paz de demônios é o que nos rege ou o que ignoramos? A paz é alicerce ou privação, remanso? Agir, demônios, agir! Não ter na culpa o embuste. (Os mortos ignoram as fuligens e as traças.) E, se houver vingança, será de outra tez pálida, a continuar o traço e a falácia humana. Despertem, demônios, eu os escuto, e introduzo o que resta, esta lentidão das palavras mortas, este ócio, este vulto, este desapego.
MANUAL CRIACIONISTA – UMA PROBABILIDADE DE DISTOPIA
(Cada esforço corresponde ao abandono.) Meio olhar sobre cada dorso ̶— dúvidas do poente. Amarras da História atadas aos calcanhares do que seria um Anjo, não fosse o pavor crescente do repouso na bruma, do assobio do Absoluto. Meio bote da serpente no primogênito do corvo, e, sendo o coito e o veneno a mistura da Besta nas ancas da virgem, resta o blefe do degredo, o rolar do pecado e seu bafo de morte.
(Cada esforço corresponde ao abandono.) Meio olhar sobre cada dorso ̶— dúvidas do poente. Amarras da História atadas aos calcanhares do que seria um Anjo, não fosse o pavor crescente do repouso na bruma, do assobio do Absoluto. Meio bote da serpente no primogênito do corvo, e, sendo o coito e o veneno a mistura da Besta nas ancas da virgem, resta o blefe do degredo, o rolar do pecado e seu bafo de morte.
MANUAL DO MONTANHISTA
Avançamos desgarrados neste Tempo tardio, e o que nos resgata da morte são as reticências... (O sonho nos possui enquanto elas escorrem pelo abismo.)
Avançamos desgarrados neste Tempo tardio, e o que nos resgata da morte são as reticências... (O sonho nos possui enquanto elas escorrem pelo abismo.)
1° de janeiro
MANUAL PARA FALAR DE AMOR ÀS CRIANÇAS Pequena, mais que pequena, nada se encontra assim parada, de olhos fechados, tampando o ouvido, pois nada deve ser esquecido. Pequena, pequenininha, dos pés parados só brotam espinhos. Veja o espanto pelos caminhos, de passo em passo, de salto e queda, vence a espera no torvelinho. Pequena, promessa apenas, não basta a vela ou oração se protege no bolso a força e a mão, nada se perde dando um abraço, nada se ergue sem coração. Pequena ou já grandinha, não se convença de ser verdade cada disfarce de um injusto. Não faça parte do jogo sujo, não testemunhe a impiedade e o olhar sereno do ser bruto. Pequena, ou crescidinha, faça um doce da vida amarga, despeje o Sol sobre a tristeza, recolha os cacos da madrugada, refaça o espelho da humanidade, faça-se forte como um leão. Pequena, semente que brota, somos parte água, parte segredo, que não seja o medo o herói da história, mas o zelo pelo que nasce, viceja e segue Mundo afora. Pequena, criança eterna, não há mazela que se sustente perante a força de seu olhar, lembre o que basta e surpreende: nada menos que a verdade, nada mais simples que amar.
MANUAL PARA FALAR DE AMOR ÀS CRIANÇAS Pequena, mais que pequena, nada se encontra assim parada, de olhos fechados, tampando o ouvido, pois nada deve ser esquecido. Pequena, pequenininha, dos pés parados só brotam espinhos. Veja o espanto pelos caminhos, de passo em passo, de salto e queda, vence a espera no torvelinho. Pequena, promessa apenas, não basta a vela ou oração se protege no bolso a força e a mão, nada se perde dando um abraço, nada se ergue sem coração. Pequena ou já grandinha, não se convença de ser verdade cada disfarce de um injusto. Não faça parte do jogo sujo, não testemunhe a impiedade e o olhar sereno do ser bruto. Pequena, ou crescidinha, faça um doce da vida amarga, despeje o Sol sobre a tristeza, recolha os cacos da madrugada, refaça o espelho da humanidade, faça-se forte como um leão. Pequena, semente que brota, somos parte água, parte segredo, que não seja o medo o herói da história, mas o zelo pelo que nasce, viceja e segue Mundo afora. Pequena, criança eterna, não há mazela que se sustente perante a força de seu olhar, lembre o que basta e surpreende: nada menos que a verdade, nada mais simples que amar.