POEMAS DO LIVRO “Manual de Estilhaçar Vidraças” (Editora COUSA – 2022)   1° de janeiro Após o pão e circo, sigo em busc...

O Estalo da Palavra (XXVII)

poesia espirito-santense capixaba jorge elias neto

POEMAS DO LIVRO “Manual de Estilhaçar Vidraças”
(Editora COUSA – 2022)



 
1° de janeiro
Após o pão e circo, sigo em busca da ciência de desinventar. No vazio do salão amanhecido ainda ressoam os ecos dos champanhes, os alaridos esperançosos, os sussurros de cumplicidade. De sólido, ficaram os confetes e serpentinas, que nada entendem da solidão.


07 de janeiro
Recomeço, e essa sombra de hoje nada diz do homem que fui.


MANUAL PARA PERMANECER INCÓGNITO
Um modo de ser perdido: o extenso do nome descartado. (Toda escolha é um pacto de sangue.) A marca d’água derramada ̶ comunhão do ébrio. A certeza da régua é um esboço sem cópia.


MANUAL DA “PETITE MORT” COMO REFÚGIO
A morte se dissociava de meus desejos, o conforto era de uma sutileza retinta. Minhas costas arranhavam suas mãos e davam título à jornada da vida. Outro lugar em qualquer tarde era a luz e o encontro com seus dentes. Das vezes em que ensaiei vibrar suas coxas errei o caminho, me desencontrei. Fui precoce nos atalhos, não descansei em suas cicatrizes. Me desgarrei, apenas me choquei em seu dorso. (Os nomes que gritamos disfarçam nossa estupidez.) Rumo – cabresto da soberba no torvelinho das curvas. Melhor perder-se no acaso da embriaguez, Ato de rebeldia, no Templo de nós dois. Leito de sangue, essa tinta e seus nomes nos lençóis esquecidos. Beber nos seus seios o que encontrasse, pornografia de iludidos, saliva e sonolência no minúsculo espaço das raízes emaranhadas de nossos corpos.


MANUAL DE CONSULTA BREVE SOBRE A DIVERSIDADE DE HOMENS NASCIDOS NO VENTRE DA MÃE TERRA
Olhos que se abrem inocentes não tardam em cintilar soberba. Retalham o em torno lançando farpas no vazio da mente. Há o entristecido que desperta e sobrevive como um miserável, ao som da Morte, sussurrando seus atropelos de silêncio. Um outro que resvala no acaso, se faz vida ̶ atordoado ̶ e sonha em derrubar da janela o Sol para ofuscar o tormento. E aquele matreiro precoce a acumular seus proventos na peia dos filisteus, no relento dos desterrados. O sem-pressa, aquebrantado, temeroso de som e sombra que renega ter saído do beco tranquilo, do útero, do sossego da placenta onde se fez o princípio de sua febril tormenta. Este outro se apresenta à vida ̶ é um anjo. Segue os dias descuidado, nada sabe, nada espera, faz o que faz nesta Terra sem sopro de praga ou espanto. Um que mira com suas criptas ardentes, violento, distorcido, que corta, sangra, reproduzindo a discórdia, pavor, desastre e medo. Sabe do manto, do relento, aquele acalentado pelo Divino Pai Eterno, que se intimida com o pecado e desfia de cor o terço. Desperta o grandiloquente, senhor absoluto da partitura da linguagem e do poder do gesto. Senhor de palanques, tecelão de mortalhas, ímpar, único, fundador de reinos, que desconhece a última hora, renega o patíbulo e sai da vida um mito com os punhos cerrados. Admira-se o afetado pelo germe de Narciso, o que passa, silhueta e porta voz do egoísmo. O descontentamento que se insurge no peito do sem consolo, o faz buscar o escuro, o vão, o instante do salto, a fuga definitiva, o abraço das rochas ̶ o impacto. Para tudo de ousado há aquele que se ocupa do desafio, do improvável, do combate por todos. Ao se pensar em santo, seja em canto ou em prece, há o que simples se veste. Sai a tratar dos carentes, buscando a cura do espírito, refazendo de Cristo os passos. Com a leitura dos astros, cristais, cartas ou búzios, se afiança o ser místico, do que apregoa o destino. De gestos delirantes, do rincão ̶ (in)consciente, desprezando a luz-resgate do Mundo prático vigente, sem carecer de nada no Universo de si mesmo, vive o de louca alma, de aura dionisíaca, tecendo na mente a glória, cavaleiro da triste figura. No que há de diverso no gênero disperso e retinto, um pouco de cada traço mistura-se em cada uomo. Contudo surge a ameaça, também oriunda do ser, líquida imagem, uma farsa, onipresente equívoco, que na surdina, entrelinhas, mídias, papéis multicores, distorce a multiplicidade, faz um molde, manipula a sublime incoerência do ser, da arte, do homem.


MANUAL DA NOBRE ARTE DO DESENCANTO
Há prazer nas escaras do desencantado? Sentimento de mártir: cravar estacas e chamá-las : realidade.

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