POEMAS DO LIVRO “Manual de Estilhaçar Vidraças”
(Editora COUSA – 2022)
(Editora COUSA – 2022)
MANUAL DO SANTO AMPARO
Apoio a cabeça em mão que não é minha. Ela me batiza, me passa a unha, acaricia, desmancha o cabelo, me põe medo tampando os olhos, empurra o nariz contra a porta, me sufoca com o travesseiro, encosta a guimba do cigarro, me intimida, espeta achas, apazigua as rugas dos anos, sustendo erguida a face tombada e espalha em meus lábios o sabor das batalhas.
Apoio a cabeça em mão que não é minha. Ela me batiza, me passa a unha, acaricia, desmancha o cabelo, me põe medo tampando os olhos, empurra o nariz contra a porta, me sufoca com o travesseiro, encosta a guimba do cigarro, me intimida, espeta achas, apazigua as rugas dos anos, sustendo erguida a face tombada e espalha em meus lábios o sabor das batalhas.
MANUAL PARA MOLHAR A PALAVRA
“A palavra é já minha única maneira de ressuscitar-me.”
Maiakovski
Palavra é fatalidade,
cerol escorrido da garganta do Mundo,
febre de tecer morte doida,
companheira irrecusável.
Palavra é troço sem fundo,
semente que brota
na fenda do punhal.
Palavra é o soldo
da boca carente,
vapor do submundo da alma.
Palavra é calma e destempero,
jazigo, ruína e culpa.
Palavra é sina do desencontrado,
recado e arrependimento,
é o unguento
do trago.
Palavra é zelo
com o indomável.
É o todo inacabado
às vésperas do último engasgo.Maiakovski
MANUAL DE RESGATE DE UM POETA
Ah, esse eu telúrico, sacro refúgio do espanto, não será ele o manto que se estende sobre a febre, − quebranto dos olhos? (Somos parte água, parte segredo.) Um algo manso que se arvora a enfrentar tempestades, a disseminar ruídos de despedida, a arrematar com o pranto o silêncio contido da sutil delicadeza dos consumidos pelo engano? (A marcha do só é a mesma marcha da multidão.) Não cumpre os passos, vai alhures, circundando um Mundo de cordilheiras infinitas, lugar descartado no tempo? (O infinito é um quase distendido.) O entusiasmo desacelerado de um pessimista, ao recordar o posto e o dito no derradeiro sufrágio? (Mais se assemelha o que se sente culpado.) O esgar pretérito pelo indecifrável, o algo plácido derramado na transparência do desengano? (Muito se pede no primeiro pranto.) O testemunho do descontínuo da panaceia divina, desatino e receio da reta finda? (A última centelha se ressente do frio.) O que do repasto da morte faz a rotina da vida?
Ah, esse eu telúrico, sacro refúgio do espanto, não será ele o manto que se estende sobre a febre, − quebranto dos olhos? (Somos parte água, parte segredo.) Um algo manso que se arvora a enfrentar tempestades, a disseminar ruídos de despedida, a arrematar com o pranto o silêncio contido da sutil delicadeza dos consumidos pelo engano? (A marcha do só é a mesma marcha da multidão.) Não cumpre os passos, vai alhures, circundando um Mundo de cordilheiras infinitas, lugar descartado no tempo? (O infinito é um quase distendido.) O entusiasmo desacelerado de um pessimista, ao recordar o posto e o dito no derradeiro sufrágio? (Mais se assemelha o que se sente culpado.) O esgar pretérito pelo indecifrável, o algo plácido derramado na transparência do desengano? (Muito se pede no primeiro pranto.) O testemunho do descontínuo da panaceia divina, desatino e receio da reta finda? (A última centelha se ressente do frio.) O que do repasto da morte faz a rotina da vida?
MANUAL DAS SOBRAS
Sobra nas mãos uma bolha de nada, um vazio que não me cabe.
Sobra nas mãos uma bolha de nada, um vazio que não me cabe.
MANUAL SOBRE FERROLHOS DA PORTA DE SAÍDA
E se cortasse os pulsos contornando o silêncio? Morreria ou se transformaria em outra ilusão? Materna sombra, degredo dos santos, cama de ossos e assombros, de perdas e segredo da alma buliçosa.
E se cortasse os pulsos contornando o silêncio? Morreria ou se transformaria em outra ilusão? Materna sombra, degredo dos santos, cama de ossos e assombros, de perdas e segredo da alma buliçosa.
MANUAL PARA PREENCHIMENTO DE PROPOSTA DE EMPREGO
(COM QUESTIONÁRIO)
O que te define: o trajeto do destino ou a trajetória do acaso? O objeto que olha ou a ilha que aflora? A memória ou a arrelia da voz e a vã filosofia? A marca na pele de uma despedida? A raiz como causa da coisa absorvida? Uma casa de excomungados ou um projeto de emoção? Barba, rebarba, destemor e gratuidade do estrondo? A ingênua silhueta do absoluto a te inspirar insônia? Ranhuras no convívio , rigidez na meta? Dois mais dois ou a placidez de esteta? Remora de ansiedade a semear conflito, ou solidão do bardo no balcão do abismo? Digitas com todos os dedos, plantas samambaias nas trincheiras? Obs: Preencher os espaços em branco com objeções ou espasmos, espantos, dizer o que te faz único, se absorves com atenção o subentendido, e se, na falta de café e pão, te basta a água que brota dos escombros.
O que te define: o trajeto do destino ou a trajetória do acaso? O objeto que olha ou a ilha que aflora? A memória ou a arrelia da voz e a vã filosofia? A marca na pele de uma despedida? A raiz como causa da coisa absorvida? Uma casa de excomungados ou um projeto de emoção? Barba, rebarba, destemor e gratuidade do estrondo? A ingênua silhueta do absoluto a te inspirar insônia? Ranhuras no convívio , rigidez na meta? Dois mais dois ou a placidez de esteta? Remora de ansiedade a semear conflito, ou solidão do bardo no balcão do abismo? Digitas com todos os dedos, plantas samambaias nas trincheiras? Obs: Preencher os espaços em branco com objeções ou espasmos, espantos, dizer o que te faz único, se absorves com atenção o subentendido, e se, na falta de café e pão, te basta a água que brota dos escombros.
MANUAL SOBRE MANUAIS
No fim, resta o desgaste das palavras empobrecidas pelo reúso, os retalhos repetidos na colcha que mal cobre o cansaço dos pés.
No fim, resta o desgaste das palavras empobrecidas pelo reúso, os retalhos repetidos na colcha que mal cobre o cansaço dos pés.