Hoje meus rabiscos não irão percorrer as veredas das recordações e nem daquelas saudades que estimo revelar aos meus leitores. Sim, os que nos brindam com a atenção de sua leitura tornam-se algo muito próximo de um confidente. Gostamos de dividir com eles nossas alegrias e até, acreditem, alguma dor que esteja nos machucando. É por isso que estou aqui desta vez,
suplicando pela solidariedade dessa gente generosa que me envaidece com sua leitura.
Acrescento que não irei também arriscar um texto com pitadas de humor. Nada dessas coisas a que estão acostumados ver paridas de minha pena. A pauta de hoje tem a ver com preocupação. Sim, aflição com minha Parahyba. Não o estado, mas a cidade, nossa Filipeia de Nossa Senhora das Neves, que por trapaças do destino completaremos 95 anos em que ela arrasta o nome de João Pessoa. Nada contra o defunto que é homenageado por nossa cidade, mas eu simplesmente não aprecio cidades com nome de gente. É o que não falta nesse Brasil afora.
Permito-me lembrar algumas dentre muitas: Presidente Prudente (SP), Siqueira Campos (PR), Ruy Barbosa (BA e PR), Santos Dumont (MG). Duque de Caxias (RJ), Marechal Floriano (ES), Monteiro Lobato (SP) e por aí vai. Há aquelas que disfarçam um pouco o nome do homenageado, como Florianópolis que adula nosso segundo presidente ou Teresina que lisonjeia nossa imperatriz Teresa Cristina.
Mas não se impressionem, uma vez que essa babação de ovo não é um costume tupiniquim. Washington, capital dos EUA, leva o nome do primeiro presidente daquele país poderoso lá nas latitudes de cima. Para não pensarem que essa mania é coisa só do capitalismo, temos Ho Chi Minh no Vietnã. Acho que chega.
Acabei me envolvendo com o nome e esquecendo a preocupação principal. Sabem qual? Vou contar: Estão tomando de nós nossa querida cidade. Estamos sendo invadidos por um exército de aposentados. Fazem turismo com roteiro contemplando capitais nordestinas, mas é por esta daqui, a capital das acácias, que se apaixonam.
Fico meio sem jeito para expor esta minha contrariedade. Fui um desses invasores. Cheguei aqui num ensolarado 31 de agosto de 1987. Paixão à primeira vista. Seis meses depois lá estava eu aqui com mulher, cachorro, papagaio e quatro bacuris. Depois ainda produzi mais três.
Esse cantinho do mundo onde “a brisa é fresca, as águas são mornas e os corações são quentes” tem esse incrível poder de sedução.
O que está acontecendo? Quando menos se espera brota um edifício aqui, outro ali, um condomínio acolá. Parecem aqueles cupinzeiros com colônias de formigas dentro. Ficam apinhados de novos moradores que irão sempre colocar mais de um veículo na garagem. A maioria é gente que está se mudando para cá. Isso é mortal, dentre outros problemas, nossa malha viária não comporta a frota de veículos que circula por aqui. Nos horários de pico o trânsito trava e haja paciência para percorrer alguns quilômetros. Esta é apenas a mais visível das feridas.
Vou contar o que fez essa preocupação se exacerbar dentro de mim. Tirei 20 dias de férias, ousei me afastar das preocupações e fui me hospedar em casa de filha lá em terras piratiningas. Oportunidade de ver filhos, netos e mais gente da família. A oportunidade que me permitiria praticar essa imprescindível arte, a do encontro.
Cumpridos esses compromissos tive tempo, dentre outras coisas, de percorrer a pauliceia e observar “a elegância discreta de suas meninas”. Pude fazer novos amigos e rever aos de velha data. Ver gente, conversar com gente.
Desde os motoristas de aplicativos e até em eventuais conversas, cometi a imprudência de dizer que morava em João Pessoa. E que ouvia? “Aquilo sim é que é um paraíso”, “Já fui lá uma vez e amei”, “Que lugar lindo”, “As melhores praias do Nordeste”, e a pior de todas: “Estou pensando em morar lá”.
Minha reação foi tentar defender nossa paz, nosso sossego e então, eu rebatia todos esses elogios, negava todas as loas: “Não é nada disso”. “Está um inferno”, “Muita violência”, etc, etc,
Perdoe-me minha querida cidade por falar mal de ti. Mas é o pouco que posso fazer para que desistam de te invadir.