Segundo HALLIDAY, M.A.K. e HASAN, Ruqaiya (Cohesion in English. London: Longman, 1976, p.35), Peter Hawkins, pesquisador da Sociological Research Unity, deu a crianças de 5 anos uma série de 4 quadros cuja sequência sugere uma história: o primeiro quadro mostra alguns meninos jogando futebol; no segundo, a bola atravessa, quebrando, a janela de uma casa; o terceiro quadro mostra uma senhora olhando pela janela quebrada
fazendo um gesto agourento (ominous gesture, no original); o último quadro mostra as crianças indo embora sem bola.
A primeira narrativa dessa história, apresentada por algumas crianças, era mais ou menos a seguinte, numa tradução livre: “Eles estavam jogando futebol, e ele chutou ela, e ela atravessou e quebrou a janela dela, e eles ficaram olhando, e ela grita para eles zangada, porque eles quebraram ela, por isso eles foram embora sem ela.” À linguagem dessa narrativa cheia de pronomes (referência extratextual) seria, grosso modo, o que o sociolinguista inglês Basil Bernstein (1924-2000) chama de Código Restrito. Numa versão livre do contexto, a narrativa elimina o excesso de referências extratextuais:
“Três meninos estão jogando futebol e um deles chuta a bola que travessa a janela de uma casa próxima, quebrando a vidraça. Os meninos ficam olhando, e uma dona de casa sai e briga com eles porque eles quebraram sua janela. A mulher manda os meninos embora, mas não devolve a bola.”
Esta segunda narrativa corresponde, também grosso modo, ao que Berstein chama de Código Elaborado. A dicotomia Código Restrito/Código Elaborado se aplica inicialmente à linguagem oral, mas é interessante frisar que também se aplica à linguagem escrita. Só quem conhece a sequência dos quadros das crianças jogando bola consegue entender a primeira narrativa. A segunda narrativa, contudo, pode ser entendida por quem nunca viu os quadros.A noção de Código Restrito e de Código Elaborado não diz respeito ao conhecimento ou à competência linguística do falante, mas ao desempenho linguístico, à performance do falante. Vale dizer: o Código Elaborado não se refere ao uso da norma prestigiosa, nem à obediência à gramática normativa, mas à forma com que um relato se apresenta de maneira a ser entendido por quem não participou da experiência relatada. A dicotomia competência/performance devemo-la a Noam Chomsky, fundador da teoria da gramática gerativa ou transformacional. O que distingue o Código Restrito do Código Elaborado é que este é livre do contexto ou da experiência do falante para ser entendido, enquanto aquele é de tal forma preso ao contexto que só o entende quem tenha participado da experiência relatada.
Por exemplo: dois médicos, numa conversa sobre uma operação que ambos acabam de realizar, poderão falar a respeito sem que outro médico de igual competência profissional os possa entender, por não ter participado da experiência deles, objeto dessa conversa.
Duas pessoas podem discutir sobre um filme a que acabam de assistir, sem que os entenda outra pessoa, que não tenha visto o filme. Por exemplo, num comentário a um filme de far-west:
“Aí, você viu? No final, o garoto salvou a vida dele. Ele xingou o pistoleiro que estava sentado bebendo, sacou com velocidade daquela arma dentro do bar onde tinha havido aquela briga de socos, e ele atirou matando o cara que era comparsa do chefe dos bandidos e também o chefe dos bandidos que estava na mesa da frente, aí o garoto gritou o nome dele e alertou-o logo para o outro comparsa no andar de cima que atirou e ele, mesmo ferido, matou o bandido.”
Quem era o pistoleiro? Que briga de bar foi essa? Quem era o chefe dos bandidos? Só quem assistiu a esse filme (Os brutos também amam, ou, no original, Shane) pode com pouco esforço entender do que se trata.A teoria dos códigos linguísticos explica como a socialização de uma criança pode levar à aquisição do Código Elaborado, que é um código com significados universalistas.
É comum, em relatos escolares, que um aluno fale ou escreva, por exemplo, com desenvoltura sobre algo que apenas ele conhece, na ilusão de que aquele que o ouve ou lê tenha conhecimento do assunto ou participado da mesma experiência. O relato pode estar perfeito do ponto de vista gramatical, mas, preso à experiência ou à situação vivida, só pode ser entendido por algum privilegiado conhecedor do contexto.
Halliday e Hasan, na obra citada, falam em referência endofórica – a referência a algo dentro do texto – e em referência exofórica – a referência a algo fora do texto. Eu é um pronome exofórico por excelência, exceto em romances ou contos de 1ª pessoa, em que o eu é a pessoa de quem se fala, e não a pessoa que fala. Na primeira narrativa acima apresentada, o pronome ele não é endofórico, ou seja, não se refere a nenhum termo anteriormente citado, como ocorre no exemplo seguinte em que há referência textual: “José brigou com Maria. Ele estava muito zangado com ela.” Nesse exemplo, os pronomes ele e ela se referem a algo dentro do texto.
O grande problema que a distinção entre Código Restrito e Código Elaborado revela está na capacidade que o falante tem de exprimir-se sem prender-se a um contexto de que só ele tenha conhecimento.