Vem a ideia de ser dado, antecipadamente, à “ponte do futuro” o nome de Augusto dos Anjos. Seria uma forma de responder ao Brasil de ...

Augusto e a ponte

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Vem a ideia de ser dado, antecipadamente, à “ponte do futuro” o nome de Augusto dos Anjos. Seria uma forma de responder ao Brasil de hoje àquela pergunta antiga de Gilberto Freyre a Zé Lins do Rego, bestificados diante da estátua imensa, na Praça do Bispo, a um general da nossa primeira República: “Quem é esse?“ – e diante da resposta: “E por Augusto dos Anjos o que vocês fizeram?”.

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Busto de Augusto dos Anjos
Ajmcbarreto
Vamos recordar: em 1948, no 34º aniversário da morte do poeta e por iniciativa da API e da APL, foi inaugurado o busto que, por felicidade, teve Umberto Cozzo como escultor e, por milagre, continua no lugar, “num ponto dos mais aprazíveis do Parque Sólon de Lucena, debaixo mesmo de antigo tamarindo, árvore celebrada por Augusto dos Anjos em imortal produção do seu afortunado estro”. É como registra a Revista da Academia Paraibana de Letras, creditando ao governo a mão de obra no assentamento do busto. Seu resgate se deu por liberação gratuita de Cozzo, tanto demoraram a pagar, e graças a instâncias de Waldemar Duarte, que o trouxe de navio, assunto de crônica antológica de Virginius da Gama e Melo.

Além da pequena rua com seu nome, entre a Pedro I e a Almirante Barroso, a Prefeitura na gestão de Ricardo Coutinho vestiu o poeta de fraque e cartola e deixou-o no chão raso da praça Pedro Américo a pretexto de sua devoção ao tamarindo. Bela escultura, sem dúvida, que deveria ficar um pouco acima da mijada dos cachorros.

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Memorial Augusto dos Anjos APL
Vem Luiz Crispim, afinal, e na sua gestão na Academia atina, por ser ele quem era, na necessidade, esta sim, de um memorial a Augusto dos Anjos. Necessidade muito menos de Augusto do que das sucessivas gerações, das escolas e da própria Universidade, como a crítica literária dos últimos cinquenta anos vem demonstrando.

Numa crônica de quarenta anos atrás eu confessava minha surpresa a cada leitura de Augusto, mesmo a “dos versos íntimos” e a do “tamarindo de minha desventura”, mesmo as mais populares e as mais servidas nos bares do povo. “Meu coração tem novas e diversas catedrais todas imensas, debaixo de um mesmo soneto, a cada leitura uma catedral diferente. E assim grande parte de toda a sua poesia”.

E vem este acréscimo pouco eufemístico de Alexei Bueno, comentando a edição da Bertrand Brasil nos 100 anos do EU:
“Num verdadeiro cascatear das metáforas mais insólitas e das visões mais desesperadoras, com uma pujança verbal só comparável à de Euclides da Cunha, Augusto dos Anos pinta pela
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Alexei Bueno
primeira vez, usando as mais reles e apoéticas palavras, a miséria nacional: tísicos, mendigos, loucos, leprosos, prostitutas, estupradores, assassinos, bêbados, índios exterminados, negros degradados pelo cativeiro ancestral. É uma verdadeira dança macabra de toda a miséria brasileira que invade a sua consciência e a sua poesia”.

Miséria que fica pertencendo a mais gente do que as elites imaginam. Miséria muito mais de consciência do que material. Escrevendo há cem anos no Correio da Manhã, um outro leitor especial de Augusto, Carlos Drummond, lendo Os doentes e o Lázaro da pátria já o compreendia como poeta de aguda consciência social.

O poeta do EU, ressalva Gil Messias, nada tem a precisar de nós.

A ponte pouco ou nada acrescentará a um poeta da sua genialidade. A ponte, esta sim, talvez saia ganhando com seu nome, como a Ponte Buarque de Macedo, do Recife, que sem “As cismas do destino” não passaria de pequena ligação entre Santo Antônio e o Recife Velho.

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