Reencontrei, aliviado, esta semana, o “EU NU, no Caminho dos Elefantes”, livro do jornalista Josélio Gondim que supunha perdido na minha mudança da casa antiga para a que habito há cerca de sete anos. Mas eu também não descartava a possibilidade do seu empréstimo sem retorno a alguém. Por muito tempo, fiquei, injustificadamente, com esse arrependimento e, não menos, com o conselho que, ouvido de um colega de trabalho, também não me saía da cabeça.
“Três coisas não se deve emprestar nem ao melhor amigo: disco e livro, pois se voltam, voltam com defeito”.
Falei duas? É que reluto em enumerar a terceira: mulher. Ao contrário do meu conselheiro, entendo que esta última não pode ter dono e, assim sendo, deve estar livre para ir e não voltar, caso desista de quem tenha a seu lado e em sua vida. “Melhor sozinho do que mal acompanhado”, eis uma sentença válida tanto para quem parte quanto para quem fica. Não é não?
Em março de 2017, Severino Sertanejo, o poeta que habita a alma de Luiz Nunes – este último um conselheiro de verdade, pois membro do Tribunal de Contas da Paraíba – apresentou-me, em versos sisudos e repletos de fatos e datas, o presidente Juscelino Kubitschek, o construtor de Brasília, o homem que fomentou o processo da industrialização nacional e abriu estradas para os carros que aqui começavam a ser fabricados.
A bem da verdade, o poeta falava, não apenas a mim, mas a uma plateia inteira que então superlotava o Auditório do Centro Cultural Ariano Suassuna, no intervalo de um encontro com prefeitos convocados pelo Tribunal para a discussão de orçamentos e ações de governo.
O presidente rendera o tema do livro ali disposto por nosso poeta, graciosamente, às Prefeituras e, assim também, entre outros bons destinos, às bibliotecas municipais. Os autógrafos eram concedidos entre as fileiras de telas que compunham os acervos de duas exposições fotográficas: a de Gustavo Moura sobre Ariano, e a da Aliança Francesa, sobre as duas cidades de Bayeux, a paraibana e a genuína, uma em homenagem à outra.
Acontece que o “EU NU...” já me havia apresentado um Juscelino diferente, pois leve, solto, muito bem dado ao uísque e às mulheres. Josélio, por quem fui procurado, tinha retornado à Paraíba com o propósito de aqui fincar pé até que a morte o subtraísse da terrinha e dos amigos. O que, de fato, ocorreu.
Aqui chegado, pediu-me para revisar seu livro, o penúltimo e aquele em cujo título sinalizava o desejo do último suspiro em Tambaú. Diz-se dos elefantes que eles sempre fazem o percurso de volta ao lugar onde nasceram, na hora final. Bem, com Josélio, pelo menos, foi assim.
Juscelino foi o mote do capítulo mais divertido do “EU NU...”. Nele, o autor conta que o conheceu por intermédio de Assis Chateaubriand, quando os Diários e Emissoras Associados acertavam, por seu comandante, o apoio à candidatura presidencial do então governador de Minas Gerais.
Conta, ainda, que depois disso saíram os três da redação paulista dos Diários até um clube noturno existente nas redondezas. Lá para as tantas, Chateaubriand se despediria, porquanto estava próximo do horário de embarque à Europa, mas não sem antes determinar que o subordinado fizesse ao convidado as honras da casa.
Ao que está escrito, em dado momento, Juscelino, que já havia dançado com tudo o que era mulher desacompanhada, pergunta ao ocasional companheiro de noitada: “Você não tem umas flores para nossa mesa?”.
Josélio tinha. Afirma que se lembrou de que a namorada abrigava uma italianinha para os estudos no Museu de Arte Moderna e partiu para o telefone com o convite: “Venha para cá e traga sua amiga. Vocês vão dançar com o futuro presidente do Brasil”.
Dia a clarear, conforme relatado, os quatro seguiam para os apartamentos, no mesmo quarteirão, quando Juscelino cochichou: “O que eu faço? Se chegar no meu hotel com essa menina, terei toda a imprensa paulista na calçada em poucos minutos”. Resposta de Josélio grafada tal e qual: “Está aqui minha chave. É apartamento de jornalista. Mas, à sua disposição”.
Segundo meu amigo, para a troca dos quartos foi imperioso o bilhete destinado ao gerente do hotel onde Juscelino se hospedava: “O portador deste tem acesso aos meus aposentos a qualquer momento que assim desejar”.
É o que está narrado e é o que em parte reproduzi no prefácio do “EU NU, No Caminho dos Elefantes” que por insistência do autor terminei por fazer, findo o trabalho de revisor.
Mas, continuemos. Passou-se o tempo. Pedro Gondim assumiu o Governo da Paraíba e, Juscelino, a Presidência da República. Josélio soube, então, de uma vaga para Auditor da Receita Federal a ser urgentemente preenchida. Não teve dúvida: pegou um avião e veio pedir o apoio do tio.
Pedro relutou. Todavia, diante da insistência do sobrinho, meteu-se para Brasília. O primeiro contato foi com o chefe de Gabinete do presidente de quem ouviram: “Não quero desanimar ninguém, mas o emprego que vocês pretendem já é disputado por um parente de Laudo Natel e um afilhado do presidente do STF. Contudo, já que estão aqui, entrem”.
E introduziu os dois visitantes: “Presidente, este é nosso Gondim, da Paraíba. O assunto é aquele cargo de auditor federal. Pedro o requer para Josélio Gondim, seu sobrinho”.
Josélio escreveu que, ao ouvir seu nome, Juscelino largou a caneta, ergueu a cabeça e partiu para o abraço: “Mas que prazer revê-lo”. Para encurtar a história, dou um doce a quem adivinhar o cargo no qual o velho Josélio cansado de guerra se aposentou.
E dou, ainda, uma pista: uma frase lapidar do nosso bon-vivant: “Nunca vi ninguém fazer amigos na missa. Na gandaia, sim”.