Gabriel - Outro homem com um casaco vermelho de capuz (qualquer semelhança à Chapeuzinho Vermelho, pode ser mera coincidência), entra num mercadinho e rouba sabão e material de limpeza. Ao sair correndo, tropeça no tapete da entrada e cai. Um policial à paisana estava por perto. Saca a arma e dispara 11 tiros nas suas costas. Morreu na contramão, quem sabe atrapalhando o tráfego, como já cantou Chico Buarque. Assistimos novamente às cenas sem acreditar. O que faz um homem dar 11 tiros nas costas de um ladrão de sabão? Mais cedo tinha roubado outros itens. Ouvi de um analista que, geralmente esses casos, acontecem com roubos pequenos. Quem sabe uma afronta à autoridade que esbraveja que, se for preso, o juiz solta.
Um homem sem nome - Cena no metrô. Um moço meio trôpego (estaria drogado?) cai na roleta, lhe faltava o ticket, e recebe chutes da Polícia. Arrastam-no para outro corredor e ali, joelhos e botas esmagam suas costelas. I can´t breath! Como no caso do americano Eric Garner. O homem desfalece e morre. Asfixia e esganadura. Costelas, tórax, queixo, mandíbulas, ombro, tudo esmagado e roxo. Quem há de negar que foi assassinado pela polícia? Quem se responsabiliza por tantas mortes. Todos esses moços tinham menos de 30 anos. Excluídos. Fora da curva.
E esses são só os três casos mais vistos na TV na semana. Todos os dias uma menina, um pai, uma senhora, uma mulher, um trabalhador, uma jovem sonhadora, tem suas vidas interrompidas por “balas perdidas”, que são na verdade achadas. Achadas em bairros pobres, em indivíduos da cor preta, e por entre um mundo perdido na impunidade, no apagamento e no descaso.
A violência nas cidades nos horroriza, mas também normalizamos como forma de sobrevivência. Quem mais aguenta ver tanta gente em situação de extrema pobreza no país? A expansão dos programas sociais, principalmente do Bolsa Família, ajudou a reduzir a miséria, também chamada de pobreza extrema, de 5,9% para 4,4% entre 2022 e 2023, segundo o IBGE. Em outras palavras, significa que, de 12,6 milhões de pessoas, 3,1 milhões saíram da miséria em um ano. Mas essas boas notícias são um pingo d'água no oceano. E portanto seguimos diante de tantas outras misérias. A do ser humano. A do descaso. A das desigualdades sociais. E da impunidade. E das tantas e outras formas de violência disfarçadas e,ou escancaradas.
“Atire!” Guilherme Derrite, Secretário de Segurança do Governo São Paulo. Vice-líder do Governo anterior. “Sociólogo? Especialista de porra nenhuma. Matei muito ladrão; rezo todo dia para morrer vagabundo. Os vagabundos foram para o inferno tarde!”
Passamos a semana com a cena da ponte. Um homem. Uma moto. Um saco de batata, um córrego. Uma farda. Um vagabundo. Um pacote de sabão. Uma roleta – russa? Um metrô. Uma ponte. Um homem jovem. Dois homens jovens. Três homens jovens. Um polícia com câmera, sem câmera, uma denúncia. Várias. E nós aqui, do lado de cá da tela, a assistir a cenas inimagináveis.
Há algo de podre no reino. E não é na Dinamarca!