“É preciso coragem para abrir nosso coração aos outros e expor nossa vulnerabilidade. Podemos parar de nos esconder e de temer que alguém possa ver quem realmente somos, porque estaremos escolhendo ser vistos”.
Thupten Jipa
Thupten Jipa
Há homens que acreditam amar as mulheres por gostar de transar com elas. Resumem sexo à penetração. No entanto, odeiam quando elas manifestam a sua opinião, quando conquistam o merecido espaço no mercado de trabalho, quando dizem NÃO aos abusos praticados quotidianamente em meio àquilo que denomino pacto da machitude. Não obstante, esses homens estão feridos, perdidos e silenciados por uma sociedade que há milênios construiu um ideal de homem insustentável,
desumanizado, haja vista que os oprimem, impedindo-os de exercerem sua identidade — seus gostos, desejos, enfim, de se firmarem como gente.
Digo gente, porque homem é a priori bicho. A posteriori, difere-se a partir do controle de sua animalidade, por sorte conferindo-lhe humanidade, para que não naturalize o crime de honra, a objetificação da mulher, a “cultura” do estupro. Quem é esse homem que agride? Esse que abusa das drogas, é violento no trânsito, que representa 95% da população carceraria brasileira, de acordo com o Infopen (2019). São responsáveis e vítimas de 83% das mortes por homicídios e acidentes no Brasil.
Para compreendermos mais essa sociedade homoafetada, trago à baila o documentário “O silêncio dos homens”, com a pergunta presente nessa produção: O que os homens estão escondendo por trás de tantos silêncios? Esse questionamento pode parecer afrontoso se pensarmos que, ao longo da história, os homens foram os que mais tiveram voz e vez. Contudo, fala-se demais para que não se revele o essencial: suas dores, seus medos, seus desejos. Afinal, “homem que é homem não chora”, e nada pior do que essa armadura para controlar os monstros.
Os homens precisam compreender que compactuar com o modelo machista é abrir mão do autocuidado, pois se impõem a obrigatoriedade de serem sempre fortes, de serem os responsáveis pelas finanças da casa, colocando-se sempre como protagonistas de um relacionamento privado e público, para pôr as mulheres como coadjuvantes e frequentemente como antagonistas, enquanto os “machos-alfas” se desestabilizam emocional e economicamente.
O silêncio tem um preço. Devido a essa incomunicabilidade, os homens raramente rompem com os estereótipos, fazem questão de se preservarem em um suposto pódio – no ambiente de trabalho, em casa, com os filhos. O saldo: além dos dados apontados, os homens se suicidam 4 vezes mais do que as mulheres, consoante o Ministério da Saúde. O psicólogo Fred Mattos reflete que há uma diferença entre falar e se revelar de fato. O homem, quando fala algo para o outro, é apenas para sustentar uma imagem. Mas, por trás desse ethos, há alguém machucado. A violência com o outro, seja homem ou mulher, começa com a agressividade para consigo.
É preciso compreender que não há “a masculinidade”. Há masculinidades. Primeiramente, é necessário destituir a figura do homem como alguém infalível. Pelo que vemos, não somos tão indestrutíveis assim. Afinal, se fôssemos tão fortes assim, não seriam necessários tantos instrumentos de controle. É por sermos frágeis que precisamos parecer fortes e utilizar recursos bélicos para gerenciar o medo e o sofrimento. Porém, a barreira se irrompe...
A expressão da virilidade marca o ódio contra as mulheres, pois a sensibilidade é constantemente associada ao feminino. Ser “mulherzinha” é sinônimo de fraqueza, por isso que desde crianças é comum meninos tentarem atingir uns aos outros apelidando-se de qualquer nomenclatura que remeta ao âmbito mulheril. Isso explica também o ódio contra homossexuais, pois eles são vistos como afeminados, como se traíssem o pacto da machitude, no qual a sensibilidade não deve atuar.
A sociedade machista, misógina, homoafetada, é um sinal de extrema burrice. Ao validar manifestações de ódio, compactua-se com a barbárie de modo amplo. Homens vão se automutilando – de dentro para fora e de fora para dentro. Afinal, se reduzimos o feminino, estamos fazendo isso com as nossas companheiras, mães, irmãs, amigas. Se exaltamos a figura do macho, vislumbramos patamares difíceis de chegar e, principalmente, de nos manter. O resultado já sabemos: a queda da própria altura.