O pensamento do filósofo coreano Byung-Chul Han, nascido em 1959, tem contribuído para uma análise crítica sobre as crises da sociedade contemporânea. Han analisa o isolamento social, o consumismo compulsivo, o excesso de informação inútil, a vulnerabilidade dos produtos causada pelo avanço tecnológico e a pressão por alto desempenho profissional, como fenômenos que constituem a vida moderna. Entre suas obras mais lidas está Sociedade do Cansaço, publicada em 2010. O livro aborda, em sete capítulos, a exaustão física e mental da modernidade,
com reflexões sobre a fraqueza da condição humana atual. É uma obra direcionada para aqueles que convivem com irritabilidade constante, preguiça, estafa, exaustão e fadiga. O autor propõe a reflexão sobre as compulsões obsessivas da sociedade, que busca o excesso sem considerar os limites físicos e psicológicos dos indivíduos, causando uma sobrecarga neuronal e o surgimento de doenças como a depressão.
No capítulo 1 do livro, intitulado ‘A violência neuronal’, Han analisa a sociedade contemporânea por meio de conceitos da imunologia e da saúde mental. Ele argumenta que, enquanto a época anterior era marcada por uma dinâmica de separação e defesa contra o que se considerava estranho ou ameaçador ("o outro"), a sociedade atual experimenta a perda da alteridade. Esse "outro", antes rejeitado, transforma-se em um incômodo e evidencia um mundo dominado pela excessiva positividade.
Byung-Chul Han discorre sobre a transição da era bacteriológica, superada pela descoberta de antibióticos, para o predomínio de doenças neuronais, como a depressão e a ansiedade, no início do século XXI. Ele observa que a sociedade não mais se organiza em torno de antagonismos (ou seja, como interno e externo, amigo e inimigo), mas enfrenta desafios relacionados à diferença e à saturação de positividade.
A positividade excessiva gera uma forma de violência sistêmica, invisível e exaustiva, que escapa à percepção direta e às defesas imunológicas tradicionais. O pensador coreano argumenta que há novos problemas da contemporaneidade. A falta de alteridade ativa marca um cenário oposto à organização imunológica anterior, dificultando trocas e interações. Ele conclui que a positividade descontrolada contribui para a instalação do ódio e para os problemas de saúde mental nos dias atuais.
No capítulo 2 (‘Além da sociedade disciplinar’) Han explora a transição da sociedade disciplinar (descrita pelo filósofo francês Paul-Michel Foucault (1926-1984) para a sociedade do desempenho. Enquanto a sociedade disciplinar era caracterizada por instituições que impunham limites e controle sobre os indivíduos por meio dos hospitais psiquiátricos, asilos, presídios, fábricas, a sociedade contemporânea promove a autonomia e também impõe a responsabilidade da autossuperação e do desempenho constante. Segundo ele, na sociedade do desempenho, os indivíduos deixaram de ser ‘sujeitos da obediência’ para se tornarem ‘sujeitos de desempenho e produção’, ou ‘empresários de si mesmos’. Essa pressão por melhoria contínua e realização pessoal cria um cenário de exaustão mental e física, nos quais o fracasso é internalizado como culpa pessoal. A busca incessante por produtividade e felicidade gera esgotamento, depressão e ansiedade.
Byung-Chul Han analisa como a vigilância de Foucault mudou: além do controle externo, os indivíduos agora se autoavaliam, impulsionados por redes sociais e pela carência compulsiva e obsessiva pela exposição. A partir disso, a necessidade de manter uma imagem bem-sucedida intensifica a sobrecarga mental. O pensador conecta essas mudanças às transformações sociais que evidenciam responsabilidade e iniciativa pessoal, de forma a destacar que o problema não está apenas no excesso de autonomia, mas no imperativo de desempenho constante. A sociedade atual, marcada pelo excesso de produtividade, transforma a liberdade em opressão. Isso torna as pessoas prisioneiras de suas próprias expectativas e contribui para a epidemia de cansaço e sofrimento psíquico.
No capítulo 3 (‘O tedio profundo’), o autor analisa o impacto da proatividade exagerada e da busca incessante por desempenho na sociedade contemporânea. O excesso de estímulos, informações e multitarefas, associado à hiperatividade, contribui para um estado de dispersão da atenção e perda de foco. Essa dinâmica afeta não apenas as atividades cotidianas, mas também a percepção da dignidade pessoal e social, levando ao tédio e ao esgotamento mental.
O ‘tédio profundo’, embora muitas vezes subestimado, é essencial para o descanso espiritual e para estimular habilidades que geram a criatividade. No entanto, a sociedade moderna elimina os momentos de repouso e reflexão, substituindo-os pela constante urgência do tempo produtivo. Isso resulta na incapacidade de ouvir, observar e de ser criativo. Por isso, o pensador critica o paradigma contemporâneo de hiperatividade e positividade, que aliena a perda de sentido de vida e produz o impacto negativo na saúde individual e no bem-estar coletivo. Ele ressalta a importância da intuição, da atenção e do diálogo interno, exercitando-os com a prática contemplativa, cuja observação atenta permite captar até os significados das coisas. Para Han, a atividade contemplativa exige imersão e concentração no momento presente, algo que a sociedade atual, centrada na fragmentação e no imediatismo, não valoriza. A busca desenfreada por crescimento pessoal e produtividade, vista como algo positivo, na verdade oculta problemas e alienações, ou seja, estranhamento a si mesmo. Esse modo de vida gera tédio existencial, prejudica a saúde mental e deteriora a qualidade de vida. Isso impede - na pessoa – a introspecção e o descanso necessários para o equilíbrio individual e coletivo.
No capítulo 4 (‘Vita Activa’), é discutida a transformação da vida activa na sociedade contemporânea, em diálogo com os conceitos da filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975) apresentados em sua obra A Condição Humana (1958). Arendt busca reabilitar a vida ativa, contrastando-a com a vida contemplativa e destacando o caráter heroico da ação, que para ela se baseia na capacidade de criar e renovar o mundo. Ela critica a sociedade moderna pelo predomínio do ‘animal laborans’ (homem trabalhador), que renuncia à individualidade para se adaptar à lógica produtiva e anônima da modernidade. Han, por sua vez, contrapõe a visão de Arendt, argumentando que o homem trabalhador contemporâneo não é mais passivo e submisso. O indivíduo pós-moderno é descrito como hiperativo, hiperneurótico e individualizado, muitas vezes ao ponto de autodestruição. Essa nova configuração revela um ego exacerbado, em contraste com a perda de identidade coletiva observada por Arendt. Além disso, Han aborda a perda de narrativas significativas na sociedade contemporânea, que contribui para uma sensação de transitoriedade radical. Ele relaciona essa desnarrativização à ausência de fé – não apenas religiosa, mas também na realidade e no futuro. A metáfora do trabalho como ‘atividade desnuda’ reflete a vida ‘despida’, desprovida de histórias que conferem sentido à existência.
No capítulo 5 (‘Pedagogia do Ver’), são apresentadas as ideias do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844–1900), para quem o ser humano deve aprender três atividades para adquirir uma cultura: ler, falar e escrever. Esses atos estão consolidados no aprendizado de ‘ver’ com atenção contemplativa, a qual deve resistir aos estímulos externos. Nietzsche via a incapacidade de opor-se a tais estímulos como uma doença espiritual. Han interpreta essa perspectiva como uma defesa da ‘vida contemplativa’, que, não sendo passiva, resiste soberanamente à pressão dos estímulos externos, afirmando-se como uma atividade mais significativa do que a hiperatividade, um dos sintomas do esgotamento espiritual.
A intensificação da atividade humana resulta em passividade, ao ponto de o indivíduo se submeter aos estímulos que deveria combater. Essa dinâmica, segundo o autor, cria novas formas de opressão, enquanto a crença na liberdade pela atividade constante é uma ilusão. A negatividade, nessa situação, aparece como elemento para romper o ciclo doentio e libertar o indivíduo. A ira é abordada como uma emoção que interrompe processos e possibilita novas condições, diferenciando-se da aceleração e positividade contínuas da sociedade moderna. A constante positivação enfraquece emoções fundamentais como a angústia e o luto, transformando o pensamento humano em um processo mecânico. Han argumenta que a negatividade é indispensável, tanto para permitir a reflexão quanto para conter a hiperatividade.
O autor conclui o capítulo distinguindo as potências da positivação e negativação: a positiva, que permite realizar algo; e a negativa, que possibilita não agir. A potência negativa é vital para a contemplação. Essa ideia é exemplificada com a meditação. Sem ela, o ser humano estaria constantemente exposto a estímulos, incapaz de agir ou refletir de forma livre. Paradoxalmente, a hiperatividade moderna é uma forma de passividade, fundamentada apenas na positividade.
No capítulo 6 (‘O caso Bartleby’), o autor utiliza o conto do escritor, poeta e ensaísta estadunidense Herman Melville (1819-1891) para ilustrar as características do indivíduo sobrecarregado pelo trabalho. Publicado em 1853, a história de Bartleby, o Escrivão se passa em um escritório de advocacia em Wall Street, na região de Manhattan, da cidade de Nova Iorque. Entre arranha-céus, em uma sala com baixa iluminação e vista para um muro, é observado o adoecimento psíquico que acomete o personagem. Han destaca que todos os elementos dessa narrativa representam a sociedade disciplinar. O esgotamento mental de Bartleby se manifesta de forma apática em um ambiente nocivo, gerando alguns sintomas como estresse, enxaqueca, neurose, psicose e a sensação de frustração. Ele desconhece os discursos motivacionais que estimula a autoagressão, típicos da atual sociedade do máximo desempenho, mas vive em uma realidade em que o trabalho é sua única atividade cotidiana e o impede de fazer ou ser algo além de um ‘animal laborans’.
No capítulo 7, Han disserta sobre a cultura do desempenho ao dialogar com pensadores contemporâneos. Ele explora como a busca incessante por sucesso e produtividade pode levar ao esgotamento individual e à fragmentação social, em convergência com as teses do filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) sobre a modernidade líquida. Suas reflexões são relacionadas às ideias da socióloga estadunidense Sherry Turkle (1948), em sua abordagem sobre paradoxo da conexão digital, que aproxima as pessoas enquanto as isola. Ele amplia essa perspectiva ao destacar o impacto da hiperconexão no cansaço solitário da sociedade do máximo desempenho. Além disso, ao discutir o uso experimental de métodos farmacológicos destinados a melhorar a memória, a concentração, a atenção e as implicações éticas de tecnologias de aprimoramento humano, Han incorpora as reflexões do filósofo e bioeticista australiano Julian Savulescu (1963) ao analisar a pressão social para buscar a excelência profissional.
O livro Sociedade do Cansaço é uma análise da sociedade contemporânea. Han destaca os problemas gerados pelo excesso de positividade e pela pressão constante para ser produtivo, ao mesmo tempo em que propõe reflexões sobre como equilibrar a própria relação com o trabalho, a realização pessoal, o bem-estar social e a vida em geral.