“Ninguém, além de Deus, conhece o mistério dos céus e da terra.” (Alcorão, capítulo XXVII; Al-naml; versículo 65); “Ó fiéis, (...) as adivinhações (...) são manobras abomináveis de satanás. Evitai-as, pois, para que prospereis.”
Alcorão, capítulo V; Al-mai’da; versículo 90.
“Em verdade, Deus possui o conhecimento da Hora, faz descer a chuva e conhece o que encerram os ventres maternos. Nenhum Ser saberá o que ganhará amanhã, tampouco nenhum ser saberá em que terra morrerá, porque (só) Deus é Sapiente, Inteiradíssimo.”
Alcorão, capítulo XXXI; Luqman; versículo 34.
Na cultura árabe e muçulmana, não existe um conceito rígido de sorte ou azar comparável ao perfilhado pelos costumes ocidentais, embora também aqui a complexidade do mapeamento da alma humana conduza, muitas vezes, a que haja como que uma necessidade de se sustentar um conjunto de ritos de supersticiosidade, misturando-se o sagrado e o profano, numa tentativa de, com esses métodos, se afastar a má fortuna e atrair a si a íris e a ventura.
Na era pré-islâmica, muitos árabes recorriam à avaliação de sinais antes de empreenderem viagens ou levar a efeito qualquer atividade. Se uma ave passava à sua frente, deslocando-se da direita para a esquerda, isso era um aviso de mau presságio. Pediam proteção a entidades invisíveis, a pedras, a árvores e às estrelas. Existem resquícios de algum paganismo politeísta da era pré-islâmica. É comum, por exemplo, em certos países do Norte de África, encontrarem-se amuletos como a “mão de Fátima” (Fatma az-zahra, “a resplandecente”, quarta filha do profeta Maomé com sua esposa Khadija) ou o célebre “olho de Hórus”, símbolos de boa sorte, elementos místicos, religiosos, culturais e históricos.
À luz do Islão e de acordo com os preceitos alcorânicos e das tradições do profeta, será condenável o recurso a adivinhos, astrólogos e a horóscopos, sendo estigmatizado tanto quem faz uso dessas práticas como quem a elas recorre.
Por outro lado, na Europa da Idade Média, acreditava-se que os gatos pretos eram bruxas transformadas em animais. Daí a tradição dizer-se que dá azar cruzarmo-nos com um gato preto. No mundo árabe, ter um gato em casa atrai fortuna. O profeta Maomé terá tido um gato de nome Muezza, pelo qual lograria imensa afeição. Para o Islão, não obstante todas as espécies à face da terra merecerem estimação*, cada espécie animal possui uma história e uma parábola de ensinamentos sob signos aparentemente anódinos. Entre as espécies de menor reputação incluem-se o ouriço (al-ganfud ou al-mudijij’ — literalmente “todo coberto por uma armadura”) —, o abutre (an-nassar), a hiena (ad-dhabu’) — símbolo de imbecilidade, e que ocupa o lugar menor no bestiário islâmico —, o rato (al-far), o corvo (al-ghurab, al-khaliq, al-qaq ou an-na’ab do verbo na’aba, crocitar), o cão raivoso e o porco (al-khanzir), símbolo de impureza e de mácula, daí a interdição alcorânica, sem quaisquer ambiguidades, quanto ao consumo da sua carne.
Segundo os relatos de Bukhari, o profeta Maomé terá dito um dia que a cobra com duas linhas brancas nas costas — referindo-se provavelmente à naja, também conhecida pelo popular nome de cobra-capelo — deveria ser morta, por provocar aborto e cegar quem para ela olhasse. Curiosamente, a aranha (al-ankabut) é um animal prezado pelos muçulmanos. Já o lendário popular faz do escorpião, seja ele negro (aqrab akhal) ou amarelo (aqrab asfar), símbolo da perfídia. A expressão matl al-’aqrab (como um escorpião) designa uma pessoa de mau temperamento, inconstante e vingativa.
Noutro quadrante, no Ocidente, o número treze é tido como claro sinal de infortúnio (Triskaidekaphobia). Se um dia 13 coincidir com uma sexta-feira, então todo cuidado é pouco. O número 13 é tão receado que algumas pessoas evitam sentar-se em mesas com 13 indivíduos, há companhias aéreas que não incluem a fila 13 nas suas frotas de aviões, hotéis que não possuem quartos com esse número e prédios que não dispõem do 13º andar.
No Islão, a sexta-feira é um dia sagrado para toda a comunidade muçulmana. E não existe nenhuma carga simbólica negativa associada ao algarismo 13. O profeta terá recomendado à sua ‘ummah para “jamais incriminar o tempo” por qualquer adversidade.
Para os árabes pré-islâmicos, o mês de Safar era considerado um mês nefasto. Após o advento do Islão, no plano simbólico, cada mês foi conotado diferentemente segundo o seu atributo de bênção ou de imprecação. O Safar, o segundo mês do calendário islâmico, é hoje igualmente conhecido por Safar al-khair (Felicidade). Para os antigos, Rajab, o sétimo mês, era um mês sagrado durante o qual estava totalmente proscrito combater ou discutir. Na actualidade, é um dos quatro meses sagrados para os muçulmanos, chamados de meses das “Tréguas de Deus”, de que fazem ainda parte o primeiro mês, Muharram, o 11º, Zu-al qaadah, e o 12º, Zu-alhijjah.
O quarto crescente é o símbolo do Islão. A lua rememora, na vivência árabe, um sinal cíclico divino que regula o cômputo temporal, o recolhimento, a mudança, a transformação, a passagem para um mundo novo, de uma matriz de crescimento a outra, rejuvenescida e supurada. A lua cheia (sahuur) não encontra, no Islão, nenhuma equivalência supersticiosa, quer de teor popular, folclórico, quer de cariz religioso, com as crenças de aparições de magas e lobisomens que povoam as estórias ocidentais.
O simbolismo cromático no Islão obedece a um padrão vinculativo que perdura desde a época do profeta Maomé. A cor verde (al-akhdar) é exaltada. É o símbolo ínclito do Islão e dos dignitários muçulmanos. Essa presença é sentida na linguagem teológica, na literatura e na poesia árabe clássica. Símbolo de renovação e signo de vigor, figuram a alegria, o êxito e a felicidade. A sua posição no Islão é de tal modo excelsa que os muçulmanos mais piedosos hesitam, inclusive, a sua coloração nos tapetes, pois a simples circunstância de poder ser pisada por pés humanos é considerado como um sério atentado à dignidade muçulmana.
As crónicas atestam que outras cores generalizadamente anuídas no Islão serão o branco (al-abiadh) e o negro (al-akhal; assuuad). O branco é uma cor complexa para os muçulmanos. Será a cor dos anjos e da mortalha com que é envolvido o corpo do defunto, da gandura (espécie de túnica leve, em lã ou algodão, com ou sem mangas) do grande shaykh e da qamis (longa túnica) do estudante. A simbologia das cores é ligeiramente diferente no Irão e na tradição shi’ita, para a qual o negro está associado ao martírio.
No que concerne a comportamentos, ao invés de bater três vezes na madeira ou cruzar os dedos sempre que se evoca um acontecimento que se pretende seja bem-sucedido, o muçulmano dirá insha’Allah (queira Deus), Mash’Allah (seja o que Deus quiser), Astaghfir’Allah (eu busco o perdão de Deus), A’udhu bi’llah (Eu busco refúgio em Deus), Bismillah (Em nome de Deus) ou Allahu Akbar (Deus é Maior).
Outra disposição baseada em factos escatológicos: o muçulmano inicia tudo começando sempre pelo lado direito. Ao ter um mau sonho deverá cuspir por cima do ombro esquerdo para afastar qualquer má influência de satanás (relatado por Bukhari no volume 9, livro 87, número 14 do capítulo das tradições proféticas, alusivo à interpretação dos sonhos).
Cruzar as pernas enquanto se conversa com um muçulmano, expondo na sua direcção a sola dos sapatos, é um acto de antipatia, de desdita, ofensivo até. Significa que se deseja desfortuna e desgraça a essa pessoa. Finalmente, na entrada do novo ano, comer nozes, avelãs e castanhas é uma tradição árabe que simboliza o desejo de prosperidade.