Não me lembrava mais desse título dado por Luiz Hugo Guimarães à sua experiência de encarcerado do regime de 1964 na ilha de Fernando de Noronha. Publicado há 36 anos, reencontrado por acaso entre meus livros injustamente fora da estante, por alguma razão me dá as caras.
Luiz Hugo não era comunista. Era líder sindical vinculado aos bancários, três ou mais vezes presidente do sindicato, participando como todos eles da frente ampla pelas chamadas reformas de base. Pagou caro entrando na primeira lista de cassações. Foi subtraído do trabalho, da família, do extremoso cuidado materno de D. Alexina (de cuja pensão fui hóspede) e do convívio social de elite para o tratamento bestializado. O livro, como o de Jório Machado, devia voltar à leitura dos dias de hoje, já que não se reproduz apenas com resenhas ou meras referências. Precisa vir inteiro, sem revisão, ainda no calor da escrita. Se há Fundo Partidário com dinheiro do povo para vir às ruas pedir votos, por que não empregar uma fração mínima num programa editorial de reedição destes livros?
E você, onde estava? – os de hoje devem perguntar.
Eu tinha ficado para trás, interno num sanatório quatro meses antes do 31 de março. Por sorte enfiaram-me num longo corredor sem saída a não ser da admissão às enfermarias, onde os dias e os meses não passavam de doses rigorosamente administradas. Rigorosas mas com afeto. A vida, mesmo na hora do recreio, era uma prescrição. Tantos dias, tantas doses, o horizonte da cura entrevisto ansiosamente em contagem regressiva.
Era proibido falar próximo ao semelhante, dar-se as mãos, pisar em área que não fosse contaminada. Jamais a rua, os amigos, a liberdade, foram tão suplicados. Rua e amigos que chegavam em conta-gotas, via jornal e rádio, a tanta distância como se o Ponto de Cem Réis e as concentrações camponesas de Sapé transcorressem do outro lado do globo. Ainda bem que o rumor bem ritmado da escola de samba de Jaguaribe não era impedido de soar aos nossos ouvidos.
E foi nesse sonho em que se encaixava a esperança de alta e de ar livre que uma estação perdida, comunicando-se em apelos e dobrados, começa a lançar tanques e canhões por entre os reflexos de lua na cal do nosso teto. Concriz, vizinho de cama, aumenta o possível o volume do seu radiozinho de orelha. A enfermeira faz que não ouve. E nos chegam os arreganhos de farda esbravejando o silêncio das enfermarias. São exércitos que pegam o Brasil dormindo. A prisão de Luiz Hugo em João Pessoa, em Recife, foi bem diferente.
Mas não se concentra ele apenas em si mesmo. Sem pretensões formais ou mesmo literárias, não sacrifica a sua verdade. De episódio em episódio, vai descobrindo a grandeza e dignidade de homens que, tendo merecimento para compor e fazer a Nova República, voltaram simplesmente à rotina do seu trabalho, à reconstrução da família, o que, desgraçadamente, não pôde ocorrer com muitos, a exemplo de Rubens Paiva, tão fortemente lembrado no filme de Walter Salles, AINDA ESTOU AQUI.