Há muitos domingos atrás, por algum movimento da terra ou por obra de algum anjo distraído, ele apareceu para mim. Veio vestido de formalismo, intenso olhar azul. Perscrutou minha vida, sondou meus sentimentos e curioso, ouviu minhas palavras.
Pegou-me sem armas, infeliz dentro das minhas gargalhadas, cercada de uma casa fria, onde havia um cão velho e um som constante de saudade.
Adentrou sem pedir licença e me ofereceu a possibilidade de amor. Ri das suas promessas, várias vezes empurrei seu corpo como se empurra cadeiras e guarda-roupas, recusei presentes, ignorei telefonemas, pedidos.
Mas, por capricho do destino, trabalho dos astros, sina, sabe-se lá, fomos traçando o esboço de uma relação. Os traços eram difusos, às vezes amargos, às vezes transbordando de felicidade, mas sempre inseguros e marginais.
Dele emanava uma força que me fazia florescer. Foi isso. A vida dele, inesperadamente misturada à minha, nossas pequenas intimidades sendo desvendadas, nossas escovas de dente entrelaçadas, nossa cama já fixada dos nossos cheiros e calores. Foi um período quase perfeito. Cheio de encantamento, despretensiosos, libertos e inconsequentes.
Algum dia eu o percebi mudado. A voz era a mesma, o riso era o de sempre, mas havia alguma coisa diferente, talvez fosse o perfume que se modificara, ou o olhar dançando na minha frente. Eu o sentia desatento e desligado.
Havia um desenlace das nossas mãos como se elas soubessem, antes de mim, que a paixão havia terminado.
Em minhas noites insones, comecei a procurar os indícios e os descobri naqueles beijos que já não existiam, naquele amor feito às pressas, onde o desejo aparecia fugaz e sem vontade. Seus olhos, que antes moravam nos meus, agora se desviavam para as teias de aranha do teto, para as manchas pingadas no chão.
Acabou-se em algum momento a poesia que acelerava meu sangue. Inexplicável a paixão, inexplicável o tempo, inexplicável os motivos. Restou-me o que resgatei da memória, qualquer coisa que me alimentou pelos outros dias, sozinha.
Voltei a roer as unhas, tomei copos de vinho, sentei-me na rede à noite e contei estrelas. Fiquei como antes, talvez um pouco mais infeliz, talvez um pouco mais descrente no amor.
Mas outro dia, na esquina, um vento forte fez redemoinhos no ar. De dentro dele apareceu um moço, com riso adolescente, intenso olhar negro, prometendo levar-me para o outro lado do Atlântico. Eu ri muito e quis acreditar. Olhei bem fundo em seus olhos e desatarraxei meu coração do lugar. Ele estendeu a mão e no meio daquele vento, dei-lhe minha mão, toquei seu corpo e seu rosto.
Devagar, quase em ritmo de dança, comecei com ele a desenhar outra história, passo a passo, ponto a ponto. Se tive medo? Não. Acabei descobrindo que a paixão termina e recomeça a qualquer minuto, num girar do vento, num acender de velas, num despretensioso abraço. E estranhamente, sem avisos, sobretudo aos domingos.