Dizem que os provérbios, mesmo os que estão na Bíblia, mas adquiriram popularidade, constituem a sabedoria do povo. Mas “povo” é turb...

Provérbios

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Dizem que os provérbios, mesmo os que estão na Bíblia, mas adquiriram popularidade, constituem a sabedoria do povo. Mas “povo” é turbamulta, pluralidade de pessoas, de ideias, de pensamentos, uma abstração, em suma. Um pequeno levantamento de provérbios populares mostra que as lições da choldra ou da arraia-miúda são desencontradas ou opostas. Alguns destes provérbios talvez sejam desconhecidos de muitos por serem pouco divulgados ou por conterem expressões específicas, de pouco uso generalizado,
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como “sovela de sapateiro” ou “encher fuso”, por exemplo. Vamos a eles.

Quem sai aos seus não degenera (filho de peixe peixinho é), mas filho de avarento sai pródigo. Deus dá o frio conforme o cobertor, mas dá panela a quem não tem farinha (dá nozes a quem não tem dentes ou dá milho a quem não tem jirau ou dá asas ao avestruz que não pode voar). Quem geme é quem sente dor; mas, se é o carro que geme, o boi é que sofre. O hábito não faz o monge, mas o pau se conhece é pela casca. Quem espera sempre alcança, mas quem espera desespera. Pedra que rola não cria limo, mas pé que não anda não dá topada.

Eixo ensebado, carro calado. Mas a roda que se unta melhor soa. A primeira pancada é que mata a cobra, mas a primeira machadada não derruba a árvore. Jabuti não pega ema; mas jiboia, que não corre, é que pega veado. De pai guardador, filho gastador. Mas o pinto já sai do ovo com a pinta que o galo tem (filho de peixe peixinho é). De pequenino se torce o pepino, mas de pequeno verás o boi que terás. Galinha velha é que dá bom caldo (coco velho é que dá azeite; panela velha é que faz comida boa;
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pote velho é que dá boa água), mas corda velha não dá nó (vara verde não queima). As aparências enganam, mas é pela fumaça que se conhece o pau do tição.

Quem dá no pé covarde é. Mas do carneiro que recua é que vem a chifrada mais forte. Muito riso é sinal de pouco siso, mas barriga inchada não é sinal de fartura. Quem é bom não merece castigo, mas é a ave ruim que não vai para a gaiola. Aqui se faz, aqui se paga; mas a melhor espiga é para o pior porco. Não é o Sol que faz a sombra, mas é a fome que faz o melhor tempero. Picada de formiga não derruba coqueiro, mas é a mutuca que tira boi do mato. Quem é bom já nasce feito, mas é na fazenda fina que a mancha pega. Pancada de amor não dói (coices de garanhão para a égua carinhos são; pata de galinha não mata pinto), mas ofensa de amigo fere mais que a do inimigo. Barbeiro novo aprende em barba de tolo. O valor da capacidade não se mede pela idade.

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Sapateiro de sovela não vai além da chinela, mas quem não arrisca não petisca. Vaso de barro não dá ferrugem, mas desgraça de pote é o caminho do riacho. De boa árvore, bom fruto; mas de ruim ninho sai bom passarinho. A água silenciosa é a mais perigosa (cão que ladra não morde), mas a ovelha pior do bando é a que primeiro espirra. Cada cabeça é uma sentença. Quando se usa a razão, não se acolhe opinião.

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Ferros que se não usem, gasta-os a ferrugem, mas quem de tudo faz uso não enche fuso. Madrugar não faz amanhecer mais cedo, mas Deus ajuda a quem cedo madruga. Quem muda de lado muda de fado. Mas não foge à canseira quem os pés muda para a cabeceira. Querer é poder, mas olhar o prato não mata a fome (olhar o copo não é beber; ranger os dentes não é morder). Quem procura e não acha perde a caça. Quem não aventura não come gordura. Quem muda de rotina muda de sina. Quem pouco muda Deus muito ajuda.

Uma lição pelo menos se pode tirar disso tudo: confiar na sabedoria do povo é andar à nora, isto é, em círculos, que não levam a lugar nenhum. Afinal, os provérbios, no meu entender, não devem ser usados como axiomas para apoio de argumentação... Podem ser desmantelados por outros de igual sofisma.
NOTA: Muitos desses provérbios — a maioria — se encontram em GOMES, Manuel João (coord.) Nova recolha de provérbios e outros lugares comuns portugueses. Lisboa: Afrodite, 1974., e em MOTA, Leonardo. Adagiário brasileiro. Ceará: Imprensa Universitária UFC, 1982.

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