“É preciso ter ainda o caos dentro de si para dar à luz uma estrela bailarina” (Friedrich Nietzsche)
Não saber nomear as coisas, os sentimentos e o vazio que por vezes nos acomete é causa de muita angústia e de adoecimento psicofísico. Desde cedo, intuía isso, por isso lia dicionários diversas vezes, na vã tentativa de aplacar o sofrimento que sequer sabia de onde vinha. Se “o amor é o fogo que arde sem se ver”, a dor ascende quando não sabemos como dizer. E, por ironia, o não dito literalmente nos tira a voz. O estado de pânico, a solidão mal administrada, o impacto de uma ida sem volta. Se a boca não fala, o corpo padece. Problemas respiratórios, gastrointestinais, dor de cabeça...
O físico entra em cena quando o verbo se põe nos bastidores. Essa separação, embora pareça didática, coloca em pauta o quão significativo é destituir a palavra de seu papel protagonista. Tanto hoje se fala de acolhimento e escuta, porque escutar (ativamente) é dar ao outro tempo –
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Estamos num momento de profundo adoecimento da sociedade: ela corre de si, reflexiva e reciprocamente, vivendo o dilema do porco-espinho. No frio, aproxima-se, mas ao sentir o espinho alheio, afasta-se. Da “insuportável leveza do ser”, para a tentativa de tornar suportável o peso de ser quem é. Pune-se, pois, no isolamento, no excessivo consumo de drogas lícitas e ilícitas. Mas, o que há de lícito quando nos dopamos para dormir e para nos mantermos acordados?
No filme “A Substância”, uma frase é repetida diversas vezes: “vocês são uma só”. No corpo envelhecido, há um ser que o habita recordando-se da juventude, dos sonhos que alimentou e aqueles ainda em construção. No corpo carregamos ideais, histórias e processos mentais. Nosso cartão de visita é o nosso rosto – sobrancelhas, olhos, sorriso ou ausência de. Não por acaso, Freud dá início à psicanálise a partir do mal-estar corpóreo: a histeria, processo no qual o corpo parece não comportar tamanhos desejos que avidamente vêm à tona.
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Nesse movimento de “eu tenho”, “Fulano tem”, “Ciclano é”, o discurso sai do campo científico e esbarra na dificuldade de diagnosticar devidamente, tornando-nos todos alienistas de nós mesmos. Não, não é “normal não estar normal”, virou lugar-comum, uma distopia perante o colapso da desumanização, visto que muitos parecem zumbis de tão apartados que estão do autoconhecimento. Atrelado a isso, telas por todos os lados nos distraem. Deixamos de olhar nos olhos para andarmos como australopithecus curvados diante dos vídeos de curta duração e dos memes que – ao passo que nos divertem – nos anestesiam. Dormentes e doentes…
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