Será pelo nome de João Pessoa que a fome ainda campeia às margens das nossas cidades? Por mais que se invista (e como se tem investido!) fica difícil encontrar lógica nessa impertinência para mudar o nome da nossa capital ou abolir o que lhe foi dado, não pelo colonizador, menos ainda pelo poderes oficiais, mas pela pressão voluntária de um plenário que extravasou das portas do Teatro Santa Roza para a maioria das praças e ajuntamentos públicos acompanhados por todo o país.
Eu era menino de grupo escolar e já me perguntava, olhando para o retrato de Getúlio em cada sala de aula, por que não botavam o de João Pessoa. Meu pai, simples agricultor, sem saber ler, sem ser eleitor, longe das oligarquias, parava o que estivesse fazendo ante qualquer menção ao presidente sacrificado. Se meu pai pagava imposto pela farinha e rapadura que vendia, por que os coronéis da política não pagavam? – era o que sentia na pele.
Ele, meu grande pai, cujo perfil tentei resgatar, chegara ao brejo como retirante. Ele e irmãos e irmãs tangidos por outra grande seca que José Américo situa depois da de 1877. Traziam alguns cruzados do pouco algodão e do gado magro apurados e vieram se fazer nas terras escarpadas onde o latifúndio brejeiro não via futuro. Largados do Curimataú, nelas se fixaram na lavra do que as feiras do cariri e sertão mais pediam, que era farinha nova, quentinha na boca, sem a acidez da farinha do barco com que o império acudia os famintos da Parahyba, capital Parahyba.
Os coronéis de terras e do poder plantavam cana, alternando com café, a mandioca apenas para a subsistência. E meu pai e seus irmãos, em terras que viçavam por enxada, já moendo e mexendo em sua própria casa de farinha. Torravam a do gasto e o excedente levavam às três feiras vizinhas, deixando amojar debaixo da terra a dos mercados caririzeiro e sertanejo. E haja tropeiro a descer de Picuí, Soledade, Juazeirinho, Taperoá para a apanha alvoroçada da farinha dos Avelino.
Em 1930 os três irmãos já se viam independentes, cada qual em sua própria terra, livres do foro. Fabularam que meu pai, de repente, arrancara uma botija. E daí o engenho, as terras de cana conciliadas com o roçado da subsistência do morador.
Pagava o imposto com raiva expressa a D. Nininha, professora e ex-aluna de Augusto dos Anjos, que se encarregava da escrita exigida pela coletoria. E subia-lhe o sangue ao vê-la se queixar do atraso em meses do ordenado oficial. Isto até entrar o governo de João Pessoa. De D. Nininha vinham, aos domingos, depois da missa, as pequenas e sucessivas histórias editadas pelas conversas da feira. Preso não devia comer de graça, pagava com trabalho ao ar livre e sem baioneta calada que os recolhesse. Um governo que recebia os pequenos e mandava chamar os grandes quando soltavam o gado na roça vizinha. Presidente que andava só, de mãos para trás, como sozinho foi surpreendido pelo tiro assassino. Os que estavam com ele no café não eram seguranças.
Há 25 anos O Norte bancou pesquisa sobre essa mudança. Deu 91 por cento contra. Tenho isso anotado. Mudar pra quê? O que ganhamos com os 300 anos de Parahyba, capital Parahyba, além dos prédio do Tesouro , que o João de hoje vem restaurando, a Casa da Pólvora e a franqueza dos relatórios de Beaurepaire Rohan? A ponte do Sanhauá levou mais de cem anos para dispensar os toros de angico que serviam de passagem. Nem com um paraibano na presidência conseguimos o porto à altura das necessidades de nossas exportações. Tudo saía pelas fronteiras, no mole.
É a partir de 1930, deflagrada com a morte de João Pessoa, que a Paraíba se impõe à consciência cívica de todo o país. O que iremos dizer ao Brasil?