POEMAS DO LIVRO “Manual de Estilhaçar Vidraças”
(Editora COUSA – 2022)
(Editora COUSA – 2022)
MANUAL DE SE ENVEREDAR EM CAMINHOS
Os campos eram de um algo de desprezar estradas, percorrer vazios, recontar as sombras. Era um bastar-se despercebido. (Mesmo sem, era muito.) Preparar saltos, conter a fadiga. Era tumulto ̶ solidão na margem do construído sem rumo. Mote de traças, corte de foices. Mais do mais, se procura a paz das labaredas, do zumbido doido. Ofuscar o ínfimo de reconhecer-se o mínimo sopro no entardecer da manhã cuspida no tacho do Universo assombroso.
Os campos eram de um algo de desprezar estradas, percorrer vazios, recontar as sombras. Era um bastar-se despercebido. (Mesmo sem, era muito.) Preparar saltos, conter a fadiga. Era tumulto ̶ solidão na margem do construído sem rumo. Mote de traças, corte de foices. Mais do mais, se procura a paz das labaredas, do zumbido doido. Ofuscar o ínfimo de reconhecer-se o mínimo sopro no entardecer da manhã cuspida no tacho do Universo assombroso.
MANUAL PARA ESTILHAÇAR VIDRAÇAS
Da raiz do nome ─ esses dedos cravados no beiral da fenestra ─ extrair a resina impura. Forjar as velas, acender o arrebol na cela escura. Sugar o ar, queimando os segredos da memória das frestas. Comemorar o vácuo estendido no vazio entre as unhas e as paredes. Tornar insuportável o convívio com a fumaça do tempo ̶ desfazer-se da saudade. Alardear a fuga inútil da cama, o suicídio das fotografias. Com a cor das tintas grudada na pele, se esfregar nas quinas para sufocar seu cheiro. Cuspir nas plantas secas, urinar nas portas, misturar-se ao cheiro das cinzas. Soltar o grito e descobrir-se eco. Serrar os pés da cadeira ─ espalhar no piso a última réstia da certeza. Arregalar os olhos ─ sustentar as pálpebras e sua obtusa fuga. Não contornar os segredos ─ sacrificá-los. (Perceber que o fora é um longe; e o dentro, barreira intransponível.) Sentir o arrepio das cortinas, o crepitar dos tacos, o suor da vidraça. Sujar de sangue a moldura sem espelho. Reparar na janela e sua mirada sem luz. No breu da não paisagem misturar um círculo negro ─ alvo no escuro. Pressentir o estalo da grade. Dispensar o portal da crença. Aceitar o flagelo do ícone, a lascívia dos místicos. Ao que ofusca, o aceno; ao que enrosca, o degredo. Reter o passo, recolher no ócio o espanto. Ouvir o canto da primeira trinca, o pio agudo nas rachaduras. Estampido, estilhaços sem rumo, resto de tudo. Lançar-se aos cacos ─ fôlego dos dias. Recolher a sombra, a Musa, a imagem bipartida. Perseguir a identidade, levantando as pedras.
Da raiz do nome ─ esses dedos cravados no beiral da fenestra ─ extrair a resina impura. Forjar as velas, acender o arrebol na cela escura. Sugar o ar, queimando os segredos da memória das frestas. Comemorar o vácuo estendido no vazio entre as unhas e as paredes. Tornar insuportável o convívio com a fumaça do tempo ̶ desfazer-se da saudade. Alardear a fuga inútil da cama, o suicídio das fotografias. Com a cor das tintas grudada na pele, se esfregar nas quinas para sufocar seu cheiro. Cuspir nas plantas secas, urinar nas portas, misturar-se ao cheiro das cinzas. Soltar o grito e descobrir-se eco. Serrar os pés da cadeira ─ espalhar no piso a última réstia da certeza. Arregalar os olhos ─ sustentar as pálpebras e sua obtusa fuga. Não contornar os segredos ─ sacrificá-los. (Perceber que o fora é um longe; e o dentro, barreira intransponível.) Sentir o arrepio das cortinas, o crepitar dos tacos, o suor da vidraça. Sujar de sangue a moldura sem espelho. Reparar na janela e sua mirada sem luz. No breu da não paisagem misturar um círculo negro ─ alvo no escuro. Pressentir o estalo da grade. Dispensar o portal da crença. Aceitar o flagelo do ícone, a lascívia dos místicos. Ao que ofusca, o aceno; ao que enrosca, o degredo. Reter o passo, recolher no ócio o espanto. Ouvir o canto da primeira trinca, o pio agudo nas rachaduras. Estampido, estilhaços sem rumo, resto de tudo. Lançar-se aos cacos ─ fôlego dos dias. Recolher a sombra, a Musa, a imagem bipartida. Perseguir a identidade, levantando as pedras.
MANUAL PARA COLECIONAR MINIATURAS
Manter a sujidade dos escombros, guardar flagelos. (É na minúcia do cisco que se esconde a verdade.) Do perfil de um olhar guardar o sentido oblíquo do desejo, a aparência dissimulada. Nas folhas secas, recortar hóstias. (A verdade se guarda na multiplicidade das cores.) Moer o grão, replantar a pétala, revirar o torrão de terra, triturar os ladrilhos, desfazendo o reto e as arestas que se fecham à imaginação e segregam os redemoinhos. Da pausa da fala recolher a dúvida ─ esta preciosa relíquia da paz entre os homens. Do búzio, a memória do burburinho secular dos náufragos, das águas remexidas, dos cântaros das sereias, do betume removido das Naus, da batalha das baleias, dos grilhões de negros ─ alforje de ouro ─, de bergantins, canoas, galés romanas. Uma conta azul do terço beato (essa carga que transcende ─ névoa do inconsciente). Nó de laço – aliança da angústia, e o infinito ─ distendido ─ da dúvida.
Manter a sujidade dos escombros, guardar flagelos. (É na minúcia do cisco que se esconde a verdade.) Do perfil de um olhar guardar o sentido oblíquo do desejo, a aparência dissimulada. Nas folhas secas, recortar hóstias. (A verdade se guarda na multiplicidade das cores.) Moer o grão, replantar a pétala, revirar o torrão de terra, triturar os ladrilhos, desfazendo o reto e as arestas que se fecham à imaginação e segregam os redemoinhos. Da pausa da fala recolher a dúvida ─ esta preciosa relíquia da paz entre os homens. Do búzio, a memória do burburinho secular dos náufragos, das águas remexidas, dos cântaros das sereias, do betume removido das Naus, da batalha das baleias, dos grilhões de negros ─ alforje de ouro ─, de bergantins, canoas, galés romanas. Uma conta azul do terço beato (essa carga que transcende ─ névoa do inconsciente). Nó de laço – aliança da angústia, e o infinito ─ distendido ─ da dúvida.
MANUAL PARA O APRENDIZ DE VOO LIVRE
Encompridar os olhos até um canto azul estendido sobre o horizonte. Desfraldar asas, cerzindo os remendos da ossatura. Ouvir o soletrar dos ventos, o cântico das dunas derramando cristais sobre as encostas, fecundando as ostras, polvilhando os cílios com prismas a decantar o Sol. Mirar a madorna das aves no morno espiral das térmicas, o longe indefinido nos tons de cinza das montanhas. Da Biruta ̶ filtro do sopro da tempestade ̶ retirar a paz e o desespero, a certeza e o sentido do que se busca no salto e o que se espera da queda.
Encompridar os olhos até um canto azul estendido sobre o horizonte. Desfraldar asas, cerzindo os remendos da ossatura. Ouvir o soletrar dos ventos, o cântico das dunas derramando cristais sobre as encostas, fecundando as ostras, polvilhando os cílios com prismas a decantar o Sol. Mirar a madorna das aves no morno espiral das térmicas, o longe indefinido nos tons de cinza das montanhas. Da Biruta ̶ filtro do sopro da tempestade ̶ retirar a paz e o desespero, a certeza e o sentido do que se busca no salto e o que se espera da queda.