Circulou, há algum tempo, a notícia, aparentemente anedótica, de que havia um personagem sentimentalmente avesso. Nunca sabia manter-se em consonância com as conversas de que participava, substituindo, para contrariá-la, azuis por amarelos. Não era como as pessoas consideradas normais, que ponderam, discutem, trocam idéias, digamos, num espaço civilizado, onde são tratados assuntos polêmicos, mesmo palestras leves, flutuantes.
Celyn Kang
Celyn Kang
Todos o conheciam como um Alcides Carneiro revivido (nada de reencarnação, posto o nosso amigo haver sido contemporâneo do grande e inesquecível tribuno, aliás péssimo em coletar votos. Mas o estilo, com algumas variações, se assemelhava à entonação da voz daquele orador paraibano. Criava neologismos extravagantes, violentos, que arranhavam sempre a boa gramática e filologia.
Celyn Kang
Não relaxava jamais de suas opiniões contrárias e tinha lá seus cacoetes como o de torcer o pescoço duro preso ao colarinho sempre bem engomado. O mais curioso e emblemático de seu procedimento avesso era o de chorar copiosamente, ao escutar uma piada, retendo a gargalhada normal que se transformava em pranto a molhar seu lenço ou rir sem se conter, ao participar de velório para a indignação justa da família e dos amigos do distinto extinto. Uma calamidade. Personalidade assim é merecedora de um estudo mais aprofundado pelos experts da área do comportamento humano. Todavia, o homem avesso deixou apenas a lembrança, que tentei dar vida no relato desta crônica. Quem conviveu com ele já não mais frequenta os cafés do Ponto Cem Réis.
Portanto, acredite quem quiser.