É claro que você ainda não desarmou sua árvore, aquela na qual dependurou enfeites e luzes. Fará isso, por tradição, no 6 de janeiro, dia dos Reis Magos e tempo de encerramento dos festejos natalinos.
Por falar neles, o Livro de Mateus, o primeiro do Novo Testamento, não conta que eram reis nem que formavam um trio os magos que levaram incenso, ouro e mirra ao Deus menino. Afirma que após o nascimento de Jesus, em Belém da Judeia, nos dias do rei Herodes, uns magos (em número não dito) vindos do Oriente chegaram a Jerusalém e perguntaram: “Onde está o recém-nascido Rei dos Judeus? Vimos sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo”.
Pesquisem e vocês verão que Melchior, Gaspar e Baltazar são nomes advindos do Século IX por obra e graça de Agnello, o historiador, e de sua obra “Pontificallis Eclesiae Ravennatis”. Três presentes? Então, foram três reis, concluiu o moço. E viva São Google. Sequer eram magos aqueles visitantes, mas sábios (gente versada em cálculos, ciência da navegação e astrologia). Perguntem, agora, ao Padre Miguel Fuentes. Também, neste caso, o Google é de inestimável ajuda.
Na minha santa ignorância, recuso-me a tratar por sábios os camaradas decididos a perguntar do Rei dos Judeus à turma de Herodes. “Também desejo adorá-lo. Achem-no e voltem aqui com o endereço”, pediu-lhes o velho rei. Ainda bem que um anjo os orientou a correrem dali, sem retorno ao Palácio, logo depois da adoração ao filho de Maria. Ainda orientou José a fugir com ela e o menino antes que os soldados os encontrassem. Herodes, o perverso, mandou, então, matar tudo o que fosse menino com até dois anos de idade, na esperança de aniquilar o concorrente ao trono. O diabo deve tê-lo num espeto até os dias de hoje. Se assim não for, é como eu gostaria que fosse.
Seis de janeiro foi feriado nacional até 1967, quando uma nova legislação reduziu, drasticamente, neste País tropical abençoado por Deus e bonito por natureza, a sombra e o chope das multidões. Não foi, Jorge Benjor? Ocorre-me, agora, que seis de janeiro também é dia da queima da palha das manjedouras dispostas nos presépios que enfeitam o palco das pastorinhas belas a caminho, alegremente, de Belém. A propósito, o que foi feito dos autos natalinos? Não os vejo desde o início da adolescência. A última lembrança que tenho de uma Lapinha me conduz ao antigo Clube Social de Pilar, com as bênçãos do Padre Gomes.
As garotas, filhas de famílias católicas, formavam dois cordões (duas fileiras, uma azul e outra encarnada) à frente do Presépio onde não faltavam as figuras típicas da temporada: o Menino Jesus, seus pais terrestres, alguns anjos, os bichos da estrebaria e, por fim, os Reis Magos, também em volta da manjedoura.
Pastorinhas, mestra, contramestra, uma borboleta e uma cigana cantavam modinhas na adoração ao bebê e disputavam a preferência dos adultos (pais, tios e amigos destes) que ali interagiam com apostas em dinheiro, ora num cordão ora noutro.
Havia um enredo de cuja sequência não me lembro. Mas envolvia intriga entre mestra e contramestra, previsões da cigana, despedidas e queima da Lapinha, exatamente, no Dia de Reis. Aquela era uma festa absolutamente familiar, com mães orgulhosas da performance de suas meninas e pais dispostos a eleger o cordão preferido.
Mas para mim e os de minha geração, com os hormônios em efervescência, bom mesmo era o Pastoril armado em cima da carroceria de um caminhão, na Rua do Rio. Aquilo, sim, é que era diversão. As saias curtinhas das moças nos puxavam, inapelavelmente, para a primeira fila qualquer que fosse o medo do pai a cujo conhecimento chegasse o enxerimento do filho. Também ali havia os cordões de pastoras e, a cada lado, as bandeirinhas encarnada e azul que subiam ou desciam nos seus mastros conforme fosse o valor do dinheiro que nelas os torcedores pregassem com alfinetes.
Se a Lapinha possuía algum sentimento mais nobre, o Pastoril, não. Nenhum. Era absolutamente profano e satírico, com anedotas pesadas e enredo conduzido por um personagem cômico e libidinoso: o “Velho”, algumas vezes também tratado por “Cebola”, ou “Marujo”. Lembro de um que vestia um macacão largo e florido de palhaço. O sujeito encolhia a barriga e retirava das calças uma bengala retorcida com a ajuda de duas meninas, uma de cada cordão.
Afinal, de onde vinham essas moças assim tão desinibidas? Um amigo contou-me que o pai conhecia várias delas de uma concorrida rua de Itabaiana tão familiar, hoje em dia, quanto a Lapinha do Padre Gomes. Tempos idos.