Num recanto o ventilador quebra a sonoridade noturna. E gira, gira, gira... embebido antes de consumir qualquer bebida que regue a noite. São tempos "decembrais" e as festivas luzes natalinas intercalam claridades coloridas no ambiente, refletindo tons diversos às taças de vinho e água. Um gole para abrir a sede de beber livros, músicas, olhares e seduções.
Toda noite pede um trago, muitas letras e um beijo que mate a secura da alma, que afogue as distâncias, sejam físicas ou temporais. Distante como as mesmas luzes natalinas dependuradas em árvores por entre prédios recifenses em outro período noturno.
E tudo surge como um grande supermercado, como departamentos, etiquetas de preço musicais, um setor natalino com novas luzes e vinhos em promoção. A qualitativa e quantitativa necessidade humana de conceituar tudo, quando o melhor é o toque leve do violão ou mesmo o forte impacto do silêncio de uma nova noite.
A batida segue. O pulso musical e ritmado no coração, o calor do verão torturante para os papais e mamães noéis, o tim-tim do encontro das taças, a armadura de todos os seres mesmo quando estão despidos na cama. Mistérios que caminham pela cidade e invadem cada cenário de recanto onde o vinho foi derramado, a luz foi sombreada.
Divinamente é preciso encontrar espaço na agenda para sorrir, enxergar o pôr do sol, reler e ouvir velhos clássicos. E brindar o vinho de um ano passado, e recitar a fala de um poeta eternizado, e escutar a respiração do peito em batimentos acompanhados na pulsação por pequenas molas.
O pior pesadelo é a interrupção, o break intempestivo do tempo, quando a luz se apaga e o vinho se acaba. Nada vale a lâmpada queimada e a garrafa seca, exceto pela ornamentação. Até lá só sorrisos a cada gole, a cada piscada em tons azuis, vermelhos, verdes e amarelos. E mesmo o suor da pele incômoda é satisfatório, pois, sinaliza a vida, o existir e precisa ser também louvado e agradecido.
Segue a noite piscante e "brindante" lidas em livros, estrelas e palmas de mão. As letras são salvas em “Budapeste”, “Salvar o Fogo” ou “Tudo é Rio”. As almas também se salvam nas leituras sobre o gosto do vinho ou da água, o reflexo da luz da Lua cheia ou do pisca-pisca natalino. A vida se salva na projeção de “Ainda Estou Aqui” e “Cidade Baixa”.
Eis que surge a chuva inesperada, como tudo na vida. Água em cheiro de terra que exala para a taça em tinto, água que pinga em reflexão luz na lâmpada. Vinho e luzes num encontro com a noite, num espasmo de entendimento das notas da canção que têm poder de comprar coisas não "preçáveis”.