Mais um ciclo que termina e, com ele, a perspectiva de um novo tempo que possa trazer a esperança de outras e diferentes realizações.
Não vou aqui fazer uma retrospectiva, ao pé da letra, do que passei nesse período, porém posso dizer um pouco do ano de 2024, o primeiro que vivi após minha aposentadoria. Antes disso, muitas foram as dúvidas, as incertezas e os questionamentos diante da opção de não colocar mais o trabalho formal acima de tudo o que fazia.
Não é fácil tomar a decisão de parar, porque isso vem num momento em que não somos mais jovens e em que os preconceitos e o etarismo se fazem presentes. Você se sente menor, quase um ser invisível, por não estar mais na ativa do dia a dia de um trabalho profissional. É como se o que produzisse a partir da aposentadoria fosse apenas passatempo, puro entretenimento ou tipo “sentado no trono de um apartamento, com a boca escancarada cheia de dentes” (ou não), “esperando a morte chegar”. E não é. Ou não deveria ser.
Enfrentei, com desconfiança e, às vezes, com desânimo, a escolha de parar e de procurar construir algo novo. Voltei minha atenção para a escrita literária e para a construção de projetos há muito adiados. Fiz um curso de culinária e comecei o de inglês, concluí uma especialização em arte, filosofia e literatura, fiz terapia, acupuntura e até comprei um violão. Isso me trouxe alguma energia e a sensação de utilidade.
Conheci lugares novos, participei de muitos lançamentos de livros e de festas literárias, li bons livros e vi filmes interessantes, frequentei o teatro, assisti a vários shows e lancei, em Buenos Aires, um livro traduzido para o espanhol. Publiquei, também, um quinto livro, EU VIM DE LÁ, que traz a memória afetiva de meus tempos de infância e de adolescência, na querida cidade que me forjou.
Além de poemas, passei a elaborar crônicas e tive a grata possibilidade de criar o roteiro e produzir um espetáculo artístico com minha poesia, inclusive com alguns poemas sendo musicados e apresentados com o apoio das pessoas maravilhosas do grupo Poética Evocare e direção de Flávio Ramos.
Como pessoa, não sei se evoluí e se me tornei melhor, paciente, tolerante e solidária. Sinto mais cansaço e percebo que meu corpo não responde mais a minhas vontades de andar, de pular, de correr e muito menos de subir em árvores. Os medos aumentaram, sei que nunca vou aprender a nadar e a saúde não está lá mais essas coisas.
A poesia, no entanto, inundou minha vida e meu olhar poético se tornou mais aguçado. Hoje tenho mais tempo para olhar em volta, contemplar as flores, os animais, as pedras e, cada vez mais, tenho a convicção da nossa finitude e que devemos procurar estabelecer um modo de estar neste mundo que inclui vagareza, letargia, ócio e desaceleração, um misto de sensações e de procedimentos a que chamo de estado de poesia.