Lembro-me das aulas de História da Arte com Madalena Zaccara . Faz tempo. Minha cabeça não era branca e a professora era a mesma jovem...

A banana de seis milhões de dólares

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Lembro-me das aulas de História da Arte com Madalena Zaccara. Faz tempo. Minha cabeça não era branca e a professora era a mesma jovem irrequieta e estimulante que continua sendo. Vê-se, portanto, que o tempo não é igual para todos. História da Arte. Um mundo de informações a ser digerido por alunos mais ou menos leigos sobre o assunto. As “escolas” através dos séculos e seus artistas maiores. Uma panorâmica muito útil para qualquer um. Um certo verniz cultural para embalar conversas “inteligentes” e até para conquistar alguém, se for o caso. É difícil de acreditar, sei, mas há quem se seduza com conversas “inteligentes”. Enfim.

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Fountain (Marcel Duchamp, 1917)
Alfred Stieglitz
O fato é que o curso foi evoluindo sem problemas (para mim) até os impressionistas, cujo figurativismo borrado eu ainda conseguia decifrar e talvez compreender. A partir daí é que a coisa começou a complicar (para mim, repito). Cézanne, em algumas pinturas, já ia além dos impressionistas e, portanto, requeria mais atenção. O cubismo começou a entortar minha cabeça, mas, verdade seja dita, o famoso urinol de Duchamp ainda deu para sacar (esta palavra ainda existe?) razoavelmente. O problema (para mim, insisto) veio depois disso, com a chamada arte contemporânea (moderna, pós-moderna, conceitual etc).

Quando chegamos no ponto em que alguém proclamara que “tudo é arte”, inclusive o cocô do artista embalado em latinhas de sopa em conserva (aqui, seriam latas de Leite Ninho), confesso que desanimei. Foi preciso então muita ajuda de Madalena para poder não digo digerir mas absorver teoricamente aquele inodoro e provocativo cocô, que balançava (ou destruía, simplesmente) minhas tradicionais e pelo visto obsoletas preferências no campo artístico. Talvez tenha sido demais (para mim, mais uma vez) passar de Leonardo e Monet, por exemplo, e findar numa lata de cocô. Mas, se “tudo é arte”…

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Merda D'Artist (Piero Manzoni, 1961) Jens Cederskjold

Aí vieram o tubarão em formol de Daniel Hirst e muitas coisas mais, e agora chegamos à banana, uma trivial banana presa à parede por fita adesiva, adquirida em leilão por inacreditáveis 6,2 milhões de dólares (ou 37 milhões de reais) por um empresário de criptomoedas chamado Justin Sun. Imaginem. E esse tal sujeito, não satisfeito em comprar a “obra de arte” por uma fortuna, resolveu comê-la, literalmente, em audiência pública, óbvio, já que fazê-lo privadamente não teria a menor graça. Eis aí a quantas anda o mundo artístico neste primeiro quartel do nosso século XXI. Dá pra tu?

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Celyn Kang
Não sei o que pensará Madalena dessa banana milionária. Talvez ela bata palmas. Talvez ela dê, madalenamente, uma banana para isso tudo. Artista (e ela o é) é muito imprevisível (ainda bem). Eu, na minha ignorância, que não tem nada de artística e que resistiu, como costumam resistir as ignorâncias em geral, aos competentes ensinamentos da mestra, fico cabreiro, só olhando, feito mineiro de cidadezinha do interior quando vê uma novidade. Depois daquelas latas de cocô de que falei mais acima, nada me espanta – e quase nada me agrada, confesso (em dúvida se devo me envergonhar ou não).

E para que não digam que parei no século XIX, vou logo avisando minha explícita admiração pela pintura de Lucian Freud, o neto do fundador da psicanálise e artista praticamente dos nossos dias, a despeito de ter morrido em 2011. Fosse eu um rico empresário de criptomoedas, por exemplo, compraria, pelo preço que fosse, não só uma, mas várias obras de Freud, para contemplá-las sem pressa, diariamente, quase que egoistamente, entre minhas domésticas paredes. E que não me viessem falar, por favor, de bananas. Nem de tubarão no formol. Nem de cocô em latinhas.

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Obras de Lucian Freud
Compartilho agora com o leitor algumas frases instigantes sobre as artes. Elas me fazem pensar, concordando ou não com algumas delas:

“O importante na obra de arte é o espanto” (Baudelaire) “A arte é a mais belas das mentiras” (Debussy) “Arte é fazer algo de nada e depois vendê-lo” (Frank Zappa) “As pessoas que fazem da arte o seu negócio são na maioria impostores” (Picasso) “A arte não reproduz o que vemos. Ela nos faz ver.” (Paul Klee) “A arte existe para perturbar. A ciência tranquiliza” (Georges Braque) “Em arte, só uma coisa conta: o que não pode ser explicado” (idem)

Não é brincadeira, como se vê. Entretanto, sabemos, a arte é necessária e indispensável. A humana vida seria paupérrima sem ela.

Escreve o filósofo André Comte-Sponville que “uma obra de arte é insubstituível”, assim como seu criador, no sentido de que são únicos, irrepetíveis. No caso da banana de seis milhões de dólares isso é uma verdade verdadeira. Não porque ela fosse uma obra de arte, mas pelo simples e prosaico fato de que o seu mostrado comprador a comeu.


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  1. Obrigado, professora Neide.

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  2. Obrigado, Lúcia.

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  3. Obrigado, Raniery.

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  4. Caro Gil. Concordo com você. Talvez confessando a minha ignorância sobre a arte da pós-modernidade. Abraço de Eitel Santiago de Brito Pereira

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