Nem bem termino de ler as Elegias do poeta maduro, de Hildeberto Barbosa , expansão em ritmo de repente dos seus 70 anos, bate-me à p...

Vladimir Carvalho: humildade e firmeza

vladimir carvalho cinema paraibano
Nem bem termino de ler as Elegias do poeta maduro, de Hildeberto Barbosa, expansão em ritmo de repente dos seus 70 anos, bate-me à porta a Regente final surgida das sombras no último fragmento do poema, dessa vez interrompida pelo desgarramento de Vladimir Carvalho de sua obra. Obra que, por mais que eu tente comentar, pouco viria acrescentar a outra elegia, esta em prosa de Silvio Osias, escrita sob o imediato efeito da notícia e, paradoxal que possa parecer, de final feliz.

Daquela felicidade única para quem se entrega de corpo e alma ao ofício de “nomear o vazio” como se confessa Hildeberto a cada instante: “O poeta ainda insiste/ no ato de nomear o vazio”.

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Moisés Michelângelo
Haverá instante mais feliz? Nomear o vazio ou preenchê-lo, seja num achado do poeta ou numa ressurreição da que levou Michelangelo ao “Fala, Moisés!”

Sobre essa felicidade que não se restringe ao poético mas a tudo que nos parece sair perfeito, veio-nos a prosa de Silvio em contexto de notícia no jornal em que escreve, o JP.

Ao lado disso tudo toca-me o amigo da vida inteira, o Vladimir que ainda não dava sinais do que viria a ser, salvo o esquerdismo de nascença, tanto por parte do pai quanto pelo seu lado sensível às carências do meio onde nasceu e se criou. E menos de sua casa do que do mundo em redor. Teve um pai a quem sempre ouviu, sobretudo depois que o perdeu e para toda a vida.

Na última quarta-feira, recordando entrevista feita há quinze anos com o setuagenário Vladimir, remontando à sua antiga paixão pelo gibi, Audaci Júnior começa afirmando que:

“Nesses meus 20 anos dedicados ao jornalismo poucas pessoas são tão humildes, simpáticas, atenciosas e dedicadas como Vladimir Carvalho”.
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Audaci Jr., Breno Barros e Renato Félix entrevistando Vladimir Carvalho
Foto: Arquivo Pessoal / A União
Some-se a essas qualidades a força oculta de sua teimosia. Teimosia de convicções e de fidelidade ao que a ele se impunha justo ou verdadeiro.

Quando concluiu o documentário dedicado à construção de Brasília, o protagonismo recaindo na dureza de vida do candango, o grande Niemeyer, da veneração ideológica de Vladimir, aparece como cúmplice numa tragédia de muitas vítimas. O épico da obra de Juscelino daria para passar por cima dessas baixas, desse estrago no currículo do grande arquiteto e militante ideológico. Ponderei com meu amigo sobre isso numa de suas vindas aqui. Ele me ouviu com a humildade realçada por Audaci e fechou a produção com a verdade nunca negada aos seus olhos. Olhos que se fecharam para a vida corrente mas que me encaram refletindo a energia criadora de toda sua obra. Endurecer, sim, mas sem jamais perder a ternura.


Com o filme a José Américo, que passou a admirar ao saber do discurso de protesto da “cadeira vazia” quando da cassação de Prestes, Vladimir não abriu mão de ouvir o seu contrário, o coronel Cunha Lima, apeado trôpego de sua montaria no documentário “O homem de Areia”. Não deu ouvidos ao meu receio de desagradar a família do autor de A Bagaceira, rendendo-se ao dever de ouvir o outro lado.

Humilde, sim, quando abdicou do direito de emparelhar com Linduarte Noronha na direção de Aruanda.


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