O menino perambulava pela Rua da Areia, escutando o vento rodopiando pelas silenciosas artérias urbanas da cidade baixa, a cidade como um aglomerado de casas que começava no Rio Sanhauá para se perder logo depois da Lagoa, para as bandas de Tambiá, com uma fila de residência em direção à Rua das Trincheiras e arredores, que parecia mais um sítio. Tomás Santa Rosa carregava na pele os resquícios dos ancestrais africanos e os vivia sem a aparência dos lordes que frequentavam as melhores escolas.
Supomos que a partir dos rabiscos com carvão pelas paredes, ou riscos com graveto na areia da rua, o menino prodígio recolheu os ensinamentos provenientes da sabedoria edificada nos albores da natureza. Porque cedo, bem cedinho, em idade de poucos anos e conhecimentos limitados, desenhou as bandeiras dos países aliados ao Brasil no fim da 1ª Guerra Mundial, chamando a atenção do presidente Camilo de Holanda, que recolheu o menino ao seu abraço. No começo do século passado os governantes sentiam o cheiro do povo. Não foi estudar na Europa às custas do governo da Paraíba, a exemplo do que fez Dom Pedro II com Pedro Américo, porque sua mãe não consentiu em se afastar do filho, já que este estava com pouco mais de dez anos.
Adolescente, foi morar no Rio de Janeiro, onde, sem demora, angariou um leque de admiradores, a pintura e o desenho abriram as portas da Capital do País, à época, o centro do pensamento brasileiro, onde as artes e os livros ganhavam conotação de metrópoles europeias. A cidade ainda respirava Machado de Assis, os conhecimentos de Sílvio Romero, louvava a ferver do tribuno Rui Barbosa e expunha a bonança do café com leite e da cana-de-açúcar.
Com pouco mais de vinte anos de idade, dando asas à imaginação, ilustrou e preparou a capa de um catatau de livros, obras literárias de grande revelo que davam novo rumo à literatura brasileira no embalo da Semana de Arte Moderna. Ilustrou os romances de José Lins do Rego, de Jorge Amado, de Graciliano Ramos, de José Américo de Almeida, Mário de Andrade, Raquel de Queiroz e depois, já no rastro de fama, emprestou sua pena para compor capas dos livros de Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa, e tanto outros que tiveram sua parceria para maior brilho de suas produções artísticas. Inclusive, levando ao teatro sua criatividade, produziu importantes cenários. Vale destacar, “Vestido de Noiva”, a espetacular peça de Nelson Rodrigues.
Depois de sua arte espalhar-se pelo Rio de Janeiro, conquistando espaços nos terreiros da cultura e das artes, Tomás Santa Rosa, considerado o “pai do livro moderno” devido a suas facetas em fazer capas e ilustrações primorosas, um artista prolífero. Foi pintor, ilustrador, designer, cenógrafo, professor, decorador e figurinista. Com tantos atributos, na sua terra é pouco reverenciado.
Observando suas telas e desenhos, centenas de capas dos livros, logo observa-se o talento revelador de conhecimentos, porque, para “ele, a pintura não era um processo venal de iludir”, como observava José Lins do Rego. Santa Rosa se tornou parceiro de José Lins, desde as primeiras obras publicadas nos primeiros anos da década de 1930. Lia os originais dos livros do amigo paraibano para produzir as capas e ilustrações, dando ritmo para melhor compreensão aos seus romances: “A vida artística de Santa Rosa está intimamente ligada aos meus romances”, escreveu o autor de Menino de Engenho. O depoimento de José Lins é revelador, porque aponta que Santa Rosa sempre desejou ser artista: “A segurança de seu traço, o seu gosto de selecionar e sua força de evocação, deram-lhe um lugar sem competidor entre os melhores do seu tempo”.
Pelas palavras do conterrâneo, Santa Rosa era um homem sem ganância, uma figura humana que se entregava por inteiro em sua obra. Uma criatura que nunca se atritou com ninguém.