Não se pode querer ser Deus. Ninguém é melhor que o outro na terra. Ou somente bom. Ou somente mal. Aceitar nossas humanidades é, ai...

Pouca ou nenhuma sorte

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Não se pode querer ser Deus. Ninguém é melhor que o outro na terra. Ou somente bom. Ou somente mal. Aceitar nossas humanidades é, ainda, o caminho correto para fazer melhor uso delas.

Inventar uma moral que nos obrigue a sermos falsamente divinos é mais demoníaco que revelar nosso lado mais humano. Exceto pelo universo, que tem suas próprias regras, os humanos deveriam se contentar em fazer parte do mundo e não
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querer dominar tudo com mão de ferro, como faz o personagem de Timothy Spall, no filme "Pequenas Cartas Obscenas".

Gemma Timothy é a senhora Swan, a mais horrorizada, mais ferida e escandalizada pelo conteúdo das pequenas Cartas, que como uma das pragas do antigo Egito se espalha pela cidade, cada vez mais.

A prisão da principal suspeita, Rose Gooding, não poderia ser outra senão uma mulher sem a proteção do santificado manto do matrimônio, mais uma consequência do entrincheiramento do gênero feminino desde a primeira fase da vida.

Com recado muito simples à inglesa, e tão seco quanto o próprio mal merece, se esvai direto às raízes do problema central deste mundo de máscaras, com podres poderes e hierarquias.


Destruidora da hipocrisia que ronda, não apenas, mas, sobretudo, a sociedade inglesa pela marca que mantém e encobrem os mantos da família real, “Pequenas Cartas Obscenas” nos faz o grande favor de expor o grau de repercussão dessa espessa camada de fumaça. Da falsa forma de perfeição que continua rondando a ideia de família e impõe diferentes papéis aos gêneros. Ou seja, o famoso um outro em si mesmo de que fala Maurice Blanchot. O escritor, ensaísta, e crítico francês conta que os povos que sempre se sentiram superiores não se cansam de enxergar em uma condição desfavorecida pela origem. Se é que um dia se pode falar na existência de sangue real, que não veio do continente africano ou da Ásia.

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Pequenas Cartas Obscenas (2023), Direção: Thea Sharrock ▪ Div. / Imdb
Parece que são para os nascidos na Inglaterra, que continuam a impressionar pela rigidez de valores, que Thea Sharrock, diretora do filme, faz questão de desconstruir — nessa narrativa que tem todo fundo de verdade, sendo baseada em fatos reais e na lógica mais simples da Natureza — na vida entre duas vizinhas muito próximas.

Porém, uma acaba depondo contra a outra e a mal-falada vai presa devido às camadas da falta de modos e pouca ou nenhuma sorte de adestramento dos impulsos e paixões.

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