Desinformação? Improvável. Preconceito? Sem dúvida. Se um articulista regular de O Globo escreve nos dias de hoje que o Nordeste é um cafundó, não pode ser desinformação, só pode ser o velho preconceito sudestino, de cariocas e paulistanos “cosmopolitas”, contra os nordestinos de sempre, para eles, os “cosmopolitas”, eternos símbolos de atraso, ignorância e matutice. Pode?
João Pessoa (PB) Zelma Brito
Mas já naqueles tempos não esqueçamos que o Nordeste dera ao Brasil, para citar só alguns, um Joaquim Nabuco, um Oliveira Lima, um Tobias Barreto, um Gilberto Freyre, um João Cabral de Melo Neto, um Pedro Américo, um José de Alencar, um Graciliano Ramos, uma Raquel de Queiroz, um José Américo de Almeida, um José Lins do Rego, um Epitácio Pessoa, um Ariano Suassuna, um Augusto dos Anjos, um Câmara Cascudo, um Celso Furtado, um Rui Barbosa, um Castro Alves, um Manuel Bandeira, um Jorge Amado, um Gilberto Amado, um João Gilberto, um Caetano Veloso, um Gláuber Rocha, um Chico Anísio, um Dom Hélder Câmara, um Luiz Gonzaga e um Barbosa Lima Sobrinho. Bastariam apenas estes para se formar um país glorioso. E, no entanto, existiram muitos, muitos outros - e outras. Na política, nas letras, na música e nas artes em geral.
Câmara Cascudo, Augusto dos Anjos, Ariano Suassuna, Dom Hélder Câmara, Rachel de Queiroz e Ruy BarbosaCC0
Escreveu o seguinte em sua coluna de O Globo do dia 21 de outubro próximo passado (segunda-feira) o senhor Miguel de Almeida, referindo-se ao declínio do Partido dos Trabalhadores: “O partido agora se refugia no Nordeste, num movimento ocorrido anteriormente com a Arena, partido da ditadura militar, que reinou apenas nos cafundós depois da queda do regime”. Vejam só. A tradicional identificação do Nordeste com os cafundós. Nítida, cristalina e, para nós, imperdoável, claro. Ora se.
Imperdoável, sim senhor. Porque há um bom tempo nossa região deixou de ser um cafundó, um lugar ermo, uma cafua, um fim de mundo, segundo o dicionário. Nossas capitais se tornaram cidades desenvolvidas e atraentes, tanto para o turismo como para a moradia, como comprovam inumeráveis estrangeiros e brasileiros de outros lugares que vieram e vêm residir aqui, em busca de qualidade de vida,
Praia de Tabatinga
Matheus Jampa da Silva
Matheus Jampa da Silva
A ironia observada pelo articulista é que antes o Nordeste dava suporte ao partido da ditadura fascista. Agora sustenta igualmente o PT e suas esmolas eleitoreiras, seus clientelismo e assistencialismo arcaicos, suas promessas de coronel oportunista travestido de “pai dos pobres”. Vê-se a ausência de qualquer coerência ideológica. Quanto a isso, realmente não há do que nos orgulharmos. Neste aspecto, não evoluímos. Mas um dia chegaremos lá. Nossas universidades estão aí formando as novas gerações, as quais provavelmente saberão um dia dispensar, com senso critico, os “salvadores da pátria” de araque, sejam de que lado forem.
Ricardo Stuckert
Que um ignorante idiota persista nesse preconceito até dá para se entender. Mas um articulista de um grande jornal carioca, não. E não há desculpa. As emissoras de televisão e o cinema nacional terceiromundista alimentam a discriminação, na medida em que insistem em retratar o Nordeste e os nordestinos de forma estereotipada, caricatural. Sempre os cenários de seca e pobreza, sempre os personagens amatutados, folclóricos, como se ainda vivêssemos em pleno cangaço. Ah, quanta burrice – ou má-fé.
Recife (Pernambuco) Bruno Lima / MTur Destinos
Se não buscasse sempre cultivar a paciência e os bons modos, eu diria ao lamentável articulista, em alto e bom som, que cafundó... é a vovozinha! E estamos conversados.