POEMAS DO LIVRO “SONETOS EM CRISE” (Editora Mondrongo – 2019)   O QUE NÃO CABE A forma contida - este imbroglio, amarras de ...

O Estalo da Palavra (XXI)


POEMAS DO LIVRO “SONETOS EM CRISE”
(Editora Mondrongo – 2019)

 
O QUE NÃO CABE
A forma contida - este imbroglio, amarras de cizal ao vento, feixo de palavras, regalo, falso cabedal de um momento do poeta diante do espelho, de um olhar vaidoso, soberbo, lidando com a morte dos tolos no penduricalho do verbo, não basta ao real esquecimento retinto por outros no tempo como transitório alento. A porta se cerra no espasmo, o espaço não teve proveito, pois o verso ressente o ermo.


O QUE NÃO CABE 2
E continua o lenitivo então, acrescento silabas e desvios no vicio de que ao repisar o chão com decassílabos se puxe o fio do descabido suplicio: remoer o cascalho das ruas, passos falhos dedilhando como os bardos de ayer a saga cigana, o mesmo cenário de todos, o fracasso do gládio, dos ferros, das lâminas, da esperança do poeta pincelando no vazio. Mas passos contados não são andança, e, sem termo, o verso empaca, assim lívido, sem dar cabo da mais sútil lembrança.


O QUE NÃO CABE 3
A tristeza, este nome que reveste as imagens, dá passagem à caravana de palavras, enfileiradas, macedônicas, aos pares, doze, como meses, lançando-se à cilada. O eco do eterno conflito do abismo íntimo, o regaço da noite, o sopro da inconsciência, o inacabado sem volta, a paz viva, o limbo perpétuo que reveste as rochas com paciência. Eis o embate, vaidade inerte do fantasma, que busca a verdade na estética da arte, impondo regra ao cadafalso, um cataplasma. Veste poeta a capa que te consome e arde, percebe, lustrar a beleza que se basta dá medo, mas é miasma que te fascina e invade.


O SÉCULO NATIMORTO
Recorda o que é denso e o que flana, o que há de espesso nos lençóis, as dobras, o suspenso, a gana, o remorso no tom da voz. Sonolência, torpor, quebranto, a rispidez no grito, o ódio, os nós no pulso, um certo acalanto do algoz. Nos seios, a paz dos fluídos, a cadência do esgar, suspiro, passos do sátiro no pó. Um não despertar, um alívio do bardo, constrito e só, como se lhe chegasse ao ouvido o tropel, uma morte feroz.


SINAL DE FUMAÇA
Jogada, a luz no desmantelo, ̶̶̶̶̶ mortalha de loucos no nada ̶̶̶̶̶ paz do fumo a acalmar o gueto dos cães noturnos nas calçadas. A luz da paz entre as vidraças, ferro torcido e desespero. Nas bocas, prenhe de fumaça, ̶̶̶̶̶ pátina dos ossos, espelho do deixar de ter sido, o riso postiço, da fome o visgo amargo em sua cova rasa. Mas o contorno azul na face do dia dá à chama o disfarce que diz: pedra é óbolo da farsa.


PERVERTIDO
Em mistério se recosta o eu divino, no umbral, em um mastro ou mesmo à cruz, cabe a ele ofertar perdão e vinho, calar a boca indócil com cicuta, redimir o ser manso de sua culpa, cavalgar a labareda, a libido, no ostensório lúbrico, a casta vulva, despejar a serpente do destino mais que a paz é a tormenta exasperada, e um mormaço das cinzas no caminho deste torrão de terra devastada que seduz o vivente, é o pão e o trigo de uma hóstia, na verdade, a sanha alada, desse anjo criador do pergaminho.


O GRILO FALANTE
O que trava a engrenagem do tempo – essa areia a tanger desesperos –, vastidão dos ecos insepultos na remora do desassosego? Nome próprio – odisseia humana – dilatado verbo, esse degredo. Da memória sobrará o espanto, da tristeza o esgar e o medo. E os febris cascalhos que rolam gargalhando por cada tropeço são presságios da vida inglória remendada na forma de terço que deflora de todos a alma, ignota e morta de berço.


O SEM PROPÓSITO
Canhestra pata, qual poesia se faz rastro sobre o concreto? É aparato, um manifesto; algum verso é braço, arrelia? Tal panaceia, o raso prato de letras e tempero insosso desfaz a memória e, aos poucos, retira o ódio de um para o outro? Vale a rosca e o parafuso no vazio de um filisteu? Existe brecha neste mouco que é multidão do mesmo eu? A mesma farsa do obtuso, o mesmo jogo, o mesmo breu

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