Faz tempo que estou para escrever sobre Solha … Vira e mexe, e não chega a hora. Talvez porque já se escreveu tanto sobre ele, que não ...

Longo poema de uma vida bem vivida

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Faz tempo que estou para escrever sobre Solha… Vira e mexe, e não chega a hora. Talvez porque já se escreveu tanto sobre ele, que não há mais o que dizer. E vem o receio de ser repetitivo, de falar algo que possa soar clichê, de não expressar novidade alguma. Mas que culpa teria, ou terei se há quase unanimidade sobre o que ele provoca no leitor?

Reiterar que Solha é “enciclopédico”, pleno de diversidade cultural, grande conhecedor de arte, literatura, música, poesia? Não mais. Isto já é notório, consagrado, dito e redito pela crítica, pelos leitores, por quem o conhece. E continua sendo a pura verdade.

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Waldemar José Solha Acervo pessoal
Não me restringirei a um, nem mesmo a todos os livros que Solha escreveu, uma vez que tudo o que ele expressou no que criou, seja poesia, romance, cinema, música, pintura, drama é um grande e longo poema. Muito difícil, então, é separar os vários solhas do Solha único, indivisível, autêntico, singular. Ultimamente ele tem dado preferência a escrever poemas, que chama de longos. Poderiam ser divididos em “cantos”, como fizeram os clássicos, já que clássico é o espectro pelo qual seu eu-poético se filtra para os versos. Longe da crítica literária, sobre a qual nenhum domínio possuo, arriscaria-me a indagar: teriam forma, rima e ritmo seus poemas? Ou isso é coisa do passado, desde a relva por onde Whitman espalhou a liberdade? Estaria o ritmo do poeta no entrelaço dos diálogos que consegue estabelecer com a lógica estética visceral entre os temas, entre os versos, e deles todos com o leitor? Como instiga-nos o mestre Solha a pensar, duvidar, refletir ou contestar!…

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Michelangelo
Todavia, há três coisas que gostaria de dizer sobre Solha. Não com autoridade, propriedade intelectual, apenas falar do que sinto ao lê-lo, do que ele, querendo ou não, consciente ou não, transmite, revela, e até mesmo confessa em linhas e entrelinhas tão astutas quanto antenadas.

A primeira coisa é o entusiasmo pela Criação, em seu mais amplo sentido. Solha deve ser daqueles que se arrepiam (coisa rara) diante de uma obra prima de arte plástica, uma tela, uma escultura na qual identifique toda sua crença. Crença? Sim! Já disse, mais de uma vez, que ele é seguramente o ateu mais crente que conheço.

Como assim? Perguntará quem ora me lê. Exatamente isto. Ateu vem do grego e significa “sem Deus”, o que Solha jamais foi, é, ou será. Afinal, quem escuta a beleza da maneira que lhe soa a Cavalgada das Valquírias de Wagner, a Ressurreição de Mahler, a Flauta Mágica de Mozart; quem enxerga a sublimidade da forma como ele sente defronte
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Portão dourado do Petit Palais (Paris) Yanna Rodrigues
aos pórticos da fachada da Notre-Dame, da Sainte-Chapelle, do Petit Palais de Paris; quem se extasia perante a magia da vida em pedra esculpida por Lisipo em seu Marte, nas efígies de Catherine e Henri, de Germain Pilon, ou é capaz de se alçar no incansável e “vitorioso” voo da Samotrácia no alto da escadaria Darú; quem renasce ou revive em áureas auras lendo Hamlet, Santo Agostinho, Machado de Assis e sintoniza com o Augusto dos Anjos na visão ampliada de Massaud Moisés — vamos parar! — jamais ele poderia ser descrente do Deus que está nestas criações e n’A Criação que insistem em d’Ele separar. Muito menos quem já pintou 15 telas tendo Jesus como inspiração...

O ateísmo de muitos “solhas” é perfeitamente aceitável, tal como a descrença no deus das escrituras ditas sagradas. Mas a “suspensão da incredulidade” acontece proporcionalmente ao nível de conhecimento lógico de todos os que admitem que “fé inabalável só existe quando é capaz de encarar a razão face a face em todas as eras da humanidade” (Allan Kardec). Com a evolução da Ciência, as
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Rick Barrett
descobertas da Física Quântica, das novas propriedades da matéria, das teorias que refutam a geometria clássica, o big-bang, que se abraçam ao cosmo sempre existente, sem fim nem começo, e nos aproximam da verdade sobre uma “inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”, presente em todo o magnífico fenômeno do Universo, nos infinitos mundos macroscópico e microscópico, é praticamente impossível encontrar alguém perspicaz, culto e inteligente que seja descrente de tudo, cultor do “nada”, que, segundo o Doutor em Cosmologia e Gravitação, Carlos Augusto Romero Filho, é algo que “não tem mais lugar na Física Moderna".

A segunda coisa é a extensão do que Solha já leu, estudou, pesquisou, viveu, criou, e, sobretudo, captou da amplitude dos conhecimentos que tão bem assimilou. Este é o seu poema! O poema de uma vida longa. Longo como o olhar que abrange tantos saberes. E não me atenho aqui a determinados títulos que publicou, pois os vejo como conjunto indissociável. Tudo tem a ver com tudo, com seu olhar, com sua percepção integral, com a vastidão do que assimila. Juntem-se os dramas, as telas, os romances, toda a poesia, cantata, oratório, e teremos um grande poema pós-moderno, no exato estilo que “passou a convalidar uma mistura de tudo o que se usou até então em arte”.

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Aaron Burden
Há quem diga ser impossível alguém conhecer tanta coisa com profundidade. Sim, nem daria tempo em uma vida na terra, que tão pouco dura. Não se mede a profundidade da escrita de Solha pela multiplicidade de conhecimentos, centenas de citações, diversidade de exemplos que exibe com saber, e sim na capacidade de concatená-los com notável senso de unidade estética. Nada fora de contexto, solto no ar, meramente mencionado. Não. Os registros se insculpem em sua mente fértil por meio da aguçadíssima sensibilidade com que olha, vê e entende a Arte, a Vida, o Homem, Deus. E é capaz de colocar tudo no papel, no computador, na web, na cabeça de muita gente. Seu mural do facebook é de uma riqueza artístico-cultural-literária impressionante. Quem quiser aprender, vá lá.

Eis a terceira coisa a dizer de Solha: Desconheço capacidade para assimilar e reunir de forma tão abundante tudo o que lê, esmiúça, observa, reflete, aprende, e conseguir encaixar uma por uma, no lugar certo, na hora certa, na medida exata, no alvo em que precisamente mira a essência de sua concepção de mundo, de arte, de filosofia, de vida enfim.

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Aaron Greenwood
Para completar, à guisa de coda deste pequeno rosário de considerações sobre um homem tão singular, elejo uma virtude que estimo definir o que sua personalidade transmite: a capacidade de harmonizar paradoxos por mais antagônicos que possam parecer. Com extraordinária habilidade, Solha estrutura e correlaciona raciocínios extraídos de fatos e acontecimentos multidisciplinares desde priscas eras ao que há de mais moderno, por meio dos quais a humanidade evoluiu e contribuiu com o bem, e com o mal, para construir sua história tão controversa quanto admirável. A abrangente e meticulosa leitura com que sua mente radiografa e destila o âmago, os fundamentos, o cerne de tudo o que se viveu, se descobriu, se edificou e se destruiu até hoje é absolutamente instantânea. Em tudo ele enxerga lógica, por mais dissonantes que as compreensíveis incoerências existenciais possam soar em seus ouvidos lítero-musicais.

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Brijender Dua
Mesmo as ideias mais perturbadoras sobre as grandes revelações, erroneamente dogmatizadas, mal interpretadas, para não dizer intencionalmente forjadas com adulterações e deturpações que o põem distante do deus que delas adveio, servem à lógica de suas reflexões, por vezes até um tanto esperançosas.

Ainda que o destino tenha lhe mostrado as carrancas do carma inexorável, mesmo diante das limitações e ranhuras que o tempo de vida imprime em seu corpo — mas nunca em sua alma de mente fértil — ou diante das escapadas da saúde, Solha não perde o ritmo. Quem sabe embalado em algum lampejo de esperança espiritual ele se mantenha isento aos dilemas esmiuçados por Descartes e Hamlet ao cultivar a “inexplicável sensação de imortalidade que em si persiste ... apesar de tudo... Eureka! Eis sua grande crença:

“Na existência do Homem — da Humanidade — o Superorganismo”, do qual ele se vê como “uma de suas bilhões de células errantes, e que inventou a roda, foi à Lua, pintou o 'Las Meninas', compôs a Nona, pôs a Internet no ciberespaço, produziu 'Os Sertões', 'Koyaanisqatsi', o 'Rei Lear', etc, etc – sem que possamos deixar de imputar-lhe a 'Ku Klux Klan' e a insânia da escravidão, o maldito imperialismo e a barbárie da Inquisição, a terrível fome africana, as duas guerras mundiais e, enfim: a história universal da infâmia”.
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Las Meninas (Museu do Prado)"Velásquez (1656

A fé em que:

“somos instrumentos de algo como a ‘Vontade de Viver’ detectada por Schopenhauer; ‘Vontade de Poder’, segundo Nietzsche (que nunca matou Deus) e elogiava Jesus); “Libido”, conforme Jung; “Élan vital” – como apregoava Bergson; “Deus”, como diziam os antigos; “Natureza”, como pregava Espinosa, mas... — coisa admirável — todo mundo se sente tão livre, apesar dessa Força e das leis e conjunturas inflexíveis que nos cercam!”

Pronto! Eis o Deus em que Solha acredita. E nós, nele! Todos que escutam como uma grande sinfonia o longo poema de sua vida bem vivida.

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