Ideto, um japonesinho muito esperto, foi meu parceiro nos tempos de escola primária. Já andei contando por aqui algumas coisas dele. D...

Ideto, Dona Zuleica e as minhocas

cronica causo conto
Ideto, um japonesinho muito esperto, foi meu parceiro nos tempos de escola primária. Já andei contando por aqui algumas coisas dele. Dele e de Dona Zuleika, uma cigana sessentona, que vivia na granja de Ideto como agregada. Esse meu camarada, de quem não soube mais, nem se vivo ainda está, vai se fazer presente nas linhas seguintes.

Não é raro que eu em noites mal dormidas, tão comuns à minha idade, venha trazer à memória algumas de nossas aventuras.

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Algumas situações, ou se preferirem, algumas inusitadas visões que tive ao lado desse japonesinho, ousei descrevê-las em casa. Por esses meus relatos, acabei levando severas broncas paternas e junto com essas admoestações tive que carregar em família a pecha de mentiroso, embusteiro, falastrão e outros adjetivos deste jaez junto, como disse, à família e aos mais próximos.

Afirmo que estas minhas, digamos, narrações, foram frutos da mais estrita verdade. Vamos a elas.

Da primeira vez quando revelei que Dona Zuleika comia rabo de lagartixas, coisa que vi com esses meus dois olhos que uma dia a terra há de comer, levei a maior espinafrada dos meus pais, po acharem ser meuntira o que eu dissera. E não era.

Já o segundo momento, foi quanto contei que vira Dona Zuleika tirar o seu olho de vidro, apontá-lo para uma chaleira e a água lá de dentro ferver em menos de um minuto, aí foi então que a coisa pegou de vez. Quase levei umas palmadas no traseiro para aprender a não vir contar potocas em casa. “Mente com a cara mais deslavada, cínico de fazer dó”, disse meu pai na ocasião.

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Essas coisas, ou melhor dizendo, essas injustiças, são elas, algumas das poucas mágoas que trago lá dos meus verdes anos. Relatava com detalhes o que vira, sem tirar e nem por, e depois vinham me chamar de mentiroso; isso magoa ou não magoa? Então decidi, de minha boca não vão ouvir mais coisa alguma. Até que um dia…

Bem, até que um dia, comentei que na granja de Ideto havia quatro galpões. Um para as galinhas poedeiras, outro, um pouco menor, para as galinhas que estavam chocando, outro para os frangos de engorda e um último para os pintinhos que depois de uns dias de nascidos, iriam ser separados, machos e fêmeas. Foi o que contei.

— E quem separa os pintinhos machos das fêmeas? Perguntou meu pai.

— Dona Zuleica – respondi, e meu pai já desconfiado, continuou.

— E como ela faz?

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— Não sei, mas o Ideto sabe. Eu sabia muito bem como era realizado o processo de sexagem, mas fechei o bico. Uns dias antes eu vira Dona Zuleika separando os machos das fêmeas. Até que num sábado à tarde, Ideto apareceu lá em casa para os deveres de escola. Meu pai ao vê-lo, lembrou-se dos pintinhos, dos galpões e já foi perguntando a Ideto.

— Como é que vocês fazem lá para se descobrir se um pintinho é macho ou fêmea?

— Quem faz é Dona Zuleika.

— E como é que ela faz?

— Em casa tem um criame de minhocas. Dona Zuleika separa as minhocas em dois cochos para os pintinhos comerem.

— Mas e aí?

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— Os pintinhos que comerem as minhocas fêmeas são machos e os que comerem as minhocas machos, são fêmeas.

— Como é que é? – meu pai não acreditou no que ouvira.

— Assim mesmo, do jeito que contei pro senhor.

— Tem minhoca macho? Tem minhoca fêmea? Mas como é que ela sabe qual minhoca é macho e qual é fêmea?

— Ah, isso é com ela. Ela diz que é segredo. Aprendeu quando morou na Macedônia e não conta pra ninguém.

Bem, meu pai deu um tempo, ameaçou um sorriso (só ameaçou). Trancou a cara e saiu de perto. Quando o japonesinho estava indo embora, ainda notei que ele comentava algo com minha mãe.

— Dois mentirosos, por isso se dão tão bem. Qualquer dia vão aparecer aqui dizendo que algum homem pisou na Lua.

E não pisou?

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