Certa vez um aluno perguntou-me se existe algum livro que ensine a prever e a normatizar a ocorrência de desvios gramaticais. Por razões alheias à minha vontade, só conheço um único livro a respeito: La Grammaire des Fautes, de Henri Frei, publicado em 1971 pela Slatkine Reprints, de Genebra. Um artigo de Milton Azevedo, intitulado “O papel da análise de erros no ensino de idiomas”, publicado no número 779-80, do Suplemento Literário de Minas Gerais,
edição de 5 a 12 de setembro de 1981, trata exclusivamente da regularidade dos erros cometidos por falantes de português na aprendizagem do inglês segunda língua, por força da competência transitória na língua estrangeira.
A base de uma gramática de erros está exatamente na analogia. Quando diz “eu trusse”, por “eu trouxe”, o falante do português se baseia numa quarta proporcional: “foi” está para “fui”, assim como “trouxe” (pronúncia: trosse), 3ª pessoa, está para... “trusse” (1ª pessoa). De fato, são vários os exemplos em que a vogal média tônica (ê, é, ô, ó) de um verbo, na 3ª pessoa, corresponde a uma vogal alta (i,u) na 1ª pessoa, no mesmo tempo verbal: teve/tive; esteve/estive; tosse/tusso; cospe/cuspo; dorme/durmo; pôs/pus; foi/fui; pôde/pude; fez/fiz; veio/vim, sente/sinto, mente/minto, fere/firo, serve/sirvo, segue/sigo etc. Na conjugação popular: veve/vivo; exeste/existo; ele sôbe /eu subo (pret. perf. verbo saber). No verbo construir, tanto faz dizer construo/constrói (conjugação mais usual) quanto construo/construis.
A hipercorreção também pode ser causa da regularidade de um erro. Hipercorreção é o erro proveniente da tentativa de se atingir a norma culta urbana. Daí o nome “hiperurbanismo” por que também é conhecida a hipercorreção. Por ouvir um falante culto pronunciar [ly] onde ele diz [i], como “trabalha”, que ele pronuncia “trabaia”, um falante pouco escolarizado, acreditando que está “errado” dizer “teia de aranha” ou “pia de cozinha”, tentando falar “bonito”, poderá dizer “telha de aranha” ou “pilha de cozinha”.
O difícil, às vezes, é descobrir a analogia que levou à hipercorreção. Um aluno escreveu, num trabalho, que “o rapase era amigo de infância”. Ele queria dizer “rapaz”. Muitas vezes, a hipercorreção resulta numa forma linguística que não existe nem no dialeto culto, nem no dialeto do falante que comete a hipercorreção. Só por acaso descobri a razão desse “rapase”, que certamente não retratava a pronúncia do aluno nem a de ninguém de sua sala. O aluno pronunciava “quase” como “quais” (“Eu estava quais caindo...”). Como ele escreve “quase”, mas pronuncia “quais”, achou que deveria escrever “rapase”, porque pronunciava “rapais”.
Ao dizer “rúbrica” em lugar de “rubrica” (subst.), o falante se baseia no fato de que muitas vezes a forma nominal se distingue da forma verbal pelo deslocamento para trás do acento tônico, a que se dá o nome de “hiperbibasmo”, como em: trafico/tráfico; transito/trânsito; calculo/cálculo; fabrica/fábrica; comercio/comércio; confidencia/confidência; credito/crédito; magoa/mágoa, etc. Portanto: rubrica/rúbrica. Ao dizer “magérrimo”, por “macérrimo” (superlativo de “magro”) , o falante também comete uma hipercorreção (analogia com negro/nigérrimo, já abonada pelos dicionários).
No processo de aprendizagem da língua materna, a criança recorre frequentemente à quarta proporcional, na utilização intuitiva de sua gramática interiorizada: “correr” está para “corri”, assim como “fazer” está para... “fazi”, que é forma que a criança diz, apesar de não ouvi-la nem mesmo de um adulto pouco escolarizado, o que levou os linguistas a excluir a simples imitação como forma de aprendizagem da língua materna.
Acho que temos necessidade de uma boa gramática de erros em português...