Pausa para ver a água cair.
Sem pedir licença o mundo entra para dentro de casa TikTokando, YouTubeando invasivo.
As redes entram em bando, rompendo estruturas, coptando cabeças, seduzindo almas.
São invasoras que controlam a mente de crianças inocentes, indefesas, entretidas no sofá da sala e não só crianças. Eu inclusive.
Não que o mundo digital seja ruim, antes pelo contrário, é o que nos tornamos neste over universo, vou do entusiasmo à irritação.
Não concordo com a censura, claro, “mas desde que o bom senso crie fechos de limites conscientes” rsrsrs como se o impossível fosse possível, parece que estou falando grego, e estou.
O eco ressoa no viva voz.
Ocorre-me agora o filme “O Show de Truman”, a vida de um homem simples monitorada por câmeras num cenário montado a sua revelia, ele um inocente útil, o bobo da corte.
E parecia entretenimento ingênuo, só parecia.
Os deuses e deusas da mitologia atual se apresentam em selfies travestidos em deuses e deusas fabricados pela tecnologia. Nem bom , nem ruim apenas que em excesso é deformante e vicia.
É uma brincadeira sermos avatares de nós mesmos, mas a sedução é um complicador. O risco é se afogar nas águas do espelho.
Até gosto desta tendência de sermos máscaras em ricos aplicativos de transformação. Acho divertido brincar com o tempo de não envelhecer, ser genérica a baixo custo (rsrsrs). Divertida fantasia, maquiagem.
É bom desde que não torne a realidade distante. Vale nos tornarmos a melhor versão de nós mesmos, pasteurizados e editados com IA.
Não sabemos nem de onde vem o que pensamos e surge um coletivo disforme, bombardeado por estímulos altamente complexos, agitando a superfície cada vez mais rasa. Entulhados de lixo fake, reduzidos a algoritmos.
E sinto um desmanchar humano que nos transforma em almas empobrecidas. Reproduzidos à imagem e semelhança do deus midiático que corrompe com likes.
Curto estar conversando com o cadarço do tênis, com o livro marcado na página 20, com os pingos do chuveiro, com a samambaia do vaso, salvo-me e clareio- me com as ideias analógicas pois sem elas como base nem poderia pensar e escrever no veloz mundo digital de descarte rápido.
O que me chama agora é a urgência de estar a sós comigo para assuntar quem sou de fato e o que pulsa em mim. Opto em preservar a essência para não esmorecer o espírito .
E de novo o caminho do meio para percorrer levando na bagagem uma dose de esperança, pão e água para a travessia no deserto.